A Lei do Senhor

A lei do Senhor é perfeita, e revigora a alma. Os testemunhos do Senhor são dignos de confiança, e tornam sábios os inexperientes. Os preceitos do Senhor são justos, e dão alegria ao coração. Os mandamentos do Senhor são límpidos, e trazem luz aos olhos. O temor do Senhor é puro, e dura para sempre. As ordenanças do Senhor são verdadeiras, são todas elas justas. São mais desejáveis do que o ouro, do que muito ouro puro; são mais doces do que o mel, do que as gotas do favo. Por elas o teu servo é advertido; há grande recompensa em obedecer-lhes – Sl 19.7 a 11

E ainda:

Como são felizes os que andam em caminhos irrepreensíveis, que vivem conforme a lei do Senhor! Como são felizes os que obedecem aos seus estatutos e de todo o coração o buscam! Não praticam o mal e andam nos caminhos do Senhor – Sl 119.1 a 3

INTRODUÇÃO:

O que o salmista tem em mente quando celebra a Lei do Senhor?

Estaria ele pensando unicamente na Lei de Moisés?

Como devemos entender o conceito de Lei no Senhor no contexto cristão?

Tomás de Aquino, (1225-1274) frade católico da ordem dos Pregadores Italianos tinha uma visão interessante sobre a Lei do Senhor. Para ele, a Lei do Senhor pode ser entendida sob três perspectivas:

  1. A Lei Natural
  2. A Lei Antiga
  3. A Lei Eterna

A Lei do Senhor abrange as três e as incorpora.

  1. A LEI NATURAL

A lei natural participa da Lei Eterna e possui dois âmbitos:

  1. Lei que rege os corpos celestes e terrestres – leis físicas
  2. Lei da consciência – a razão ou bom senso

Deus estabeleceu leis que regem o funcionamento do universo.

As Escrituras nos fala dessa lei. Jó afirmou sobre o caminho da sabedoria:

Deus conhece o caminho; só ele sabe onde ela habita, pois ele enxerga os confins da terra e vê tudo o que há debaixo dos céus. Quando ele determinou a força do vento e estabeleceu a medida exata para as águas, quando fez um decreto para a chuva e o caminho para a tempestade trovejante, ele olhou para a sabedoria e a avaliou; confirmou-a e a pôs à prova – Jó 28.23 a 27

Deus indagou de Jó:

Onde você estava quando lancei os alicerces da terra? Responda-me, se é que você sabe tanto. Quem marcou os limites das suas dimensões? Vai ver que você sabe! E quem estendeu sobre ela a linha de medir? E as suas bases, sobre o que foram postas? E quem colocou sua pedra de esquina, enquanto as estrelas matutinas juntas cantavam e todos os anjos se regozijavam? “Quem represou o mar pondo-lhe portas, quando ele irrompeu do ventre materno, quando o vesti de nuvens e em densas trevas o envolvi, quando fixei os seus limites e lhe coloquei portas e barreiras, quando eu lhe disse: Até aqui você pode vir, além deste ponto não, aqui faço parar suas ondas orgulhosas? – Jó 38.5 a 11

O salmista identifica a lei natural à providência divina:

A tua justiça é firme como as altas montanhas; as tuas decisões insondáveis como o grande mar. Tu, Senhor, preservas tanto os homens quanto os animais – Sl 36.6

Ele firmou a terra sobre os seus fundamentos para que jamais se abale; com as torrentes do abismo a cobriste, como se fossem uma veste; as águas subiram acima dos montes. Diante das tuas ameaças as águas fugiram, puseram-se em fuga ao som do teu trovão; subiram pelos montes e escorreram pelos vales, para os lugares que tu lhes designaste. Estabeleceste um limite que não podem ultrapassar; jamais tornarão a cobrir a terra. Fazes jorrar as nascentes nos vales e correrem as águas entre os montes; delas bebem todos os animais selvagens, e os jumentos selvagens saciam a sua sede. As aves do céu fazem ninho junto às águas e entre os galhos põem-se a cantar. Dos seus aposentos celestes ele rega os montes; sacia-se a terra com o fruto das tuas obras! – Sl 104.5 a 13

O sábio afirmou a respeito da sabedoria:

Nasci quando ainda não havia abismos, quando não existiam fontes de águas;  antes de serem estabelecidos os montes e de existirem colinas eu nasci. Ele ainda não havia feito a terra, nem os campos, nem o pó com o qual formou o mundo. Quando ele estabeleceu os céus, lá estava eu, quando traçou o horizonte sobre a superfície do abismo, quando colocou as nuvens em cima e estabeleceu as fontes do abismo, quando determinou as fronteiras do mar para que as águas não violassem a sua ordem, quando marcou os limites dos alicerces da terra, eu estava ao seu lado, e era o seu arquiteto; dia a dia eu era o seu prazer e me alegrava continuamente com a sua presença – Pv 8.24 a 30

Paulo disse aos atenienses:

O Deus que fez o mundo e tudo o que nele há é o Senhor do céu e da terra, e não habita em santuários feitos por mãos humanas. Ele não é servido por mãos de homens, como se necessitasse de algo, porque ele mesmo dá a todos a vida, o fôlego e as demais coisas. De um só fez ele todos os povos, para que povoassem toda a terra, tendo determinado os tempos anteriormente estabelecidos e os lugares exatos em que deveriam habitar. Deus fez isso para que os homens o buscassem e talvez, tateando, pudessem encontrá-lo, embora não esteja longe de cada um de nós – At 17.24 a 27

Deus estabeleceu o bom senso (a razão) para ser o guia seguro para o homem viver e morrer bem.

Todo aquele que pecar sem a lei, sem a lei também perecerá, e todo aquele que pecar sob a lei, pela lei será julgado. Porque não são os que ouvem a Lei que são justos aos olhos de Deus; mas os que obedecem à lei, estes serão declarados justos. ( De fato, quando os gentios, que não têm a lei, praticam naturalmente o que ela ordena, tornam-se lei para si mesmos, embora não possuam a lei; pois mostram que as exigências da lei estão gravadas em seus corações. Disso dão testemunho também a consciência e os pensamentos deles, ora acusando-os, ora defendendo-os. ) – Rm 2.12 a 15

A razão é uma guia confiável para o homem em sua vida prática. A razão não é suficiente para levar o homem ao conhecimento de Deus. O homem que segue os ditames da razão evitará muitos erros em sua vida e poderá desfrutar de uma vida boa e sem muitos infortúnios.

  1. A LEI ANTIGA

A Lei de Moisés também participa da Lei eterna. Aplicável somente a Israel em seu contexto historio, sócio, econômico e religioso.

Tinha como função própria reger os relacionamentos entre os filhos de Israel para tomar e permanecer na Terra Prometida:

E agora, ó Israel, ouça os decretos e as leis que lhes estou ensinando a cumprir, para que vivam e tomem posse da terra, que o Senhor, o Deus dos seus antepassados, dá a vocês. Nada acrescentem às palavras que eu lhes ordeno e delas nada retirem, mas obedeçam aos mandamentos do Senhor, o Deus de vocês, que eu lhes ordeno – Dt 4.1 e 2

Obedecendo a lei de Moisés Israel se tornaria uma nação ímpar:

Eu lhes ensinei decretos e leis, como me ordenou o Senhor, o meu Deus, para que sejam cumpridos na terra na qual vocês estão entrando para dela tomar posse. Vocês devem obedecer-lhes e cumpri-los, pois assim os outros povos verão a sabedoria e o discernimento de vocês. Quando eles ouvirem todos estes decretos dirão: “De fato esta grande nação é um povo sábio e inteligente”. Pois, que grande nação tem um Deus tão próximo como o Senhor, o nosso Deus, sempre que o invocamos? Ou, que grande nação tem decretos e preceitos tão justos como esta lei que estou apresentando a vocês hoje? – Dt 4.5 a 8

A lei de Moisés era uma mistura de prescrições e restrições de natureza universal – amar a Deus e ao próximo, não matar, não adulterar, não roubar, não caluniar etc – e outras de natureza circunstancial – devolver o boi encontrado, não escravizar um israelita, leis cerimônias de purificação para leprosos, leis sobre direito a propriedades, sacrifícios por pecados, sacrifícios de gratidão, ritos do santuário, celebração de festas e cerimoniais de consagração de pessoas ou objetos.

As práticas circunstanciais como circuncisão, guarda do sábado, celebração de festas e sacrifícios anuais, são os elementos que Paulo disse que não podem recomendar o homem a Deus no sentido de obter justificação:

Sabemos que tudo o que a lei diz, o diz àqueles que estão debaixo dela, para que toda boca se cale e todo o mundo esteja sob o juízo de Deus. Portanto, ninguém será declarado justo diante dele baseando-se na obediência à lei, pois é mediante a lei que nos tornamos plenamente conscientes do pecado – Rm 3.19 e 20

São princípios elementares deste mundo:

Portanto, não permitam que ninguém os julgue pelo que vocês comem ou bebem, ou com relação a alguma festividade religiosa ou à celebração das luas novas ou dos dias de sábado. Estas coisas são sombras do que haveria de vir; a realidade, porém, encontra-se em Cristo. Não permitam que ninguém que tenha prazer numa falsa humildade e na adoração de anjos os impeça de alcançar o prêmio. Tal pessoa conta detalhadamente suas visões, e sua mente carnal a torna orgulhosa. Trata-se de alguém que não está unido à Cabeça, a partir da qual todo o corpo, sustentado e unido por seus ligamentos e juntas, efetua o crescimento dado por Deus. Já que vocês morreram com Cristo para os princípios elementares deste mundo, por que é que vocês, então, como se ainda pertencessem a ele, se submetem a regras: “Não manuseie! ” “Não prove! ” “Não toque!”? Todas essas coisas estão destinadas a perecer pelo uso, pois se baseiam em mandamentos e ensinos humanos. Essas regras têm, de fato, aparência de sabedoria, com sua pretensa religiosidade, falsa humildade e severidade com o corpo, mas não têm valor algum para refrear os impulsos da carne – Cl 2.16 a 23

Tais práticas podem condenar e nunca podem justificar:

Já os que são pela prática da lei estão debaixo de maldição, pois está escrito: “Maldito todo aquele que não persiste em praticar todas as coisas escritas no livro da Lei”. É evidente que diante de Deus ninguém é justificado pela lei, pois “o justo viverá pela fé”.  A lei não é baseada na fé; pelo contrário, “quem praticar estas coisas, por elas viverá”. Cristo nos redimiu da maldição da lei quando se tornou maldição em nosso lugar, pois está escrito: “Maldito todo aquele que for pendurado num madeiro”. Isso para que em Cristo Jesus a bênção de Abraão chegasse também aos gentios, para que recebêssemos a promessa do Espírito mediante a fé – Gl 3.10 a 14

Paulo sabia que a lei é santa justa e boa, mas o coração de Paulo precisava ser tornado santo justo e bom:

De fato a lei é santa, e o mandamento é santo, justo e bom. E então, o que é bom se tornou em morte para mim? De maneira nenhuma! Mas, para que o pecado se mostrasse como pecado, ele produziu morte em mim por meio do que era bom, de modo que por meio do mandamento ele se mostrasse extremamente pecaminoso. Sabemos que a lei é espiritual; eu, contudo, não o sou, pois fui vendido como escravo ao pecado. Não entendo o que faço. Pois não faço o que desejo, mas o que odeio. E, se faço o que não desejo, admito que a lei é boa. Neste caso, não sou mais eu quem o faz, mas o pecado que habita em mim.  Sei que nada de bom habita em mim, isto é, em minha carne. Porque tenho o desejo de fazer o que é bom, mas não consigo realizá-lo – Rm 7.12 a 18

A parte circunstancial da lei de Moisés era uma ilustração para os nossos dias:

Ora, a primeira aliança tinha regras para a adoração e também um tabernáculo terreno. Foi levantado um tabernáculo; na parte da frente, chamada Lugar Santo, estavam o candelabro, a mesa e os pães da Presença. Por trás do segundo véu havia a parte chamada Santo dos Santos, onde se encontravam o altar de ouro para o incenso e a arca da aliança, totalmente revestida de ouro. Nessa arca estavam o vaso de ouro contendo o maná, a vara de Arão que floresceu e as tábuas da aliança. […] Dessa forma, o Espírito Santo estava mostrando que ainda não havia sido manifestado o caminho para o Santo dos Santos enquanto ainda permanecia o primeiro tabernáculo. Isso é uma ilustração para os nossos dias, indicando que as ofertas e os sacrifícios oferecidos não podiam dar ao adorador uma consciência perfeitamente limpa. Eram apenas prescrições que tratavam de comida e bebida e de várias cerimônias de purificação com água; essas ordenanças exteriores foram impostas até o tempo da nova ordem – Hb 9.1 a 10

Há nesta lei alguns aspectos restritivos e concessivos. Os escribas e fariseus contavam com uma lista onde havia cerca de 40 permissões e mais de 300 restrições. Eram praticamente 12 restrições para cada permissão:

Então, Jesus disse à multidão e aos seus discípulos: “Os mestres da lei e os fariseus se assentam na cadeira de Moisés. Obedeçam-lhes e façam tudo o que eles lhes dizem. Mas não façam o que eles fazem, pois não praticam o que pregam. Eles atam fardos pesados e os colocam sobre os ombros dos homens, mas eles mesmos não estão dispostos a levantar um só dedo para movê-los. “Tudo o que fazem é para serem vistos pelos homens. Eles fazem seus filactérios bem largos e as franjas de suas vestes bem longas; gostam do lugar de honra nos banquetes e dos assentos mais importantes nas sinagogas, de serem saudados nas praças e de serem chamados ‘rabis’ – Mt 23.1 a 7

Os que estão em Cristo estão livres das restrições e proibições circunstanciais da lei de Moisés:

Mas a Escritura encerrou tudo debaixo do pecado, a fim de que a promessa, que é pela fé em Jesus Cristo, fosse dada aos que crêem. Antes que viesse esta fé, estávamos sob a custódia da lei, nela encerrados, até que a fé que haveria de vir fosse revelada. Assim, a lei foi o nosso tutor até Cristo, para que fôssemos justificados pela fé. Agora, porém, tendo chegado a fé, já não estamos mais sob o controle do tutor – Gl 3.22 a 25

Além da lei natural e da lei antiga Tomás de Aquino diz que há uma lei maior, a Lei Eterna.

  1. A LEI ETERNA

A Lei que rege os relacionamentos entre Deus e os homens e os homens entre si. Tomás de Aquino identifica a lei eterna com a razão divina:

Desta forma, a lei eterna não é mais que a razão da sabedoria divina, enquanto diretiva de todos os atos e moções. (IIa-IaeQ93 a.1)

Essa lei é abrangente e aplicada a todos os homens indistintamente.

É nela que o salmista encontra seu prazer:

Como é feliz aquele que não segue o conselho dos ímpios, não imita a conduta dos pecadores, nem se assenta na roda dos zombadores!  Ao contrário, sua satisfação está na lei do Senhor, e nessa lei medita dia e noite. É como árvore plantada à beira de águas correntes: Dá fruto no tempo certo e suas folhas não murcham. Tudo o que ele faz prospera!- Sl 1.1 a 3

O salmista afirma que ela:

  1. É Perfeita – Sl 119.96
  2. Revigora a Alma – Jr 15.16
  3. É Digna de Confiança – Sl 111.7
  4. Torna Sábios os Inexperientes – Sl 119.130
  5. É Justa – Dt 32.4, Sl 119.128, Ne 9.13
  6. Alegra o Coração – Sl 40.8; 119.14, 24, 54, 92, 111 e 143
  7. É límpida
  8. Ilumina os Olhos – Sl 119.98 a 100, 105; Pv 6.23
  9. É Pura – Sl 12.6; Pv 30.5
  10. Dura para Sempre – Sl 93.5, 119.89, 152 e160
  11. É Verdadeira – Sl 18.30, 119.142
  12. Justa – Sl 119.128, 144 e 172
  13. Mais Desejável que Riquezas – Sl 119.14, 72 e 127
  14. Mais Doce que o Mel – Sl 119.103

CONCLUSÃO:

A Lei eterna é baseada no amor:

Não devam nada a ninguém, a não ser o amor de uns pelos outros, pois aquele que ama seu próximo tem cumprido a lei. Pois estes mandamentos: “Não adulterarás”, “não matarás”, “não furtarás”, “não cobiçarás”, e qualquer outro mandamento, todos se resumem neste preceito: “Ame o seu próximo como a si mesmo”. O amor não pratica o mal contra o próximo. Portanto, o amor é o cumprimento da lei – Rm 13.8 a 10

Se vocês de fato obedecerem à lei real encontrada na Escritura que diz: “Ame o seu próximo como a si mesmo”, estarão agindo corretamente. Mas se tratarem os outros com favoritismo, estarão cometendo pecado e serão condenados pela Lei como transgressores. Pois quem obedece a toda a Lei, mas tropeça em apenas um ponto, torna-se culpado de quebrá-la inteiramente. Pois aquele que disse: “Não adulterarás”, também disse: “Não matarás”. Se você não comete adultério, mas comete assassinato, torna-se transgressor da Lei. Falem e ajam como quem vai ser julgado pela lei da liberdade; porque será exercido juízo sem misericórdia sobre quem não foi misericordioso. A misericórdia triunfa sobre o juízo! – Tg 2.8 a 13

Ela é o caminho excelente:

Entretanto, busquem com dedicação os melhores dons. Passo agora a mostrar-lhes um caminho ainda mais excelente. Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o sino que ressoa ou como o prato que retine. Ainda que eu tenha o dom de profecia e saiba todos os mistérios e todo o conhecimento, e tenha uma fé capaz de mover montanhas, mas não tiver amor, nada serei. Ainda que eu dê aos pobres tudo o que possuo e entregue o meu corpo para ser queimado, mas não tiver amor, nada disso me valerá. O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor nunca perece; mas as profecias desaparecerão, as línguas cessarão, o conhecimento passará. Pois em parte conhecemos e em parte profetizamos; quando, porém, vier o que é perfeito, o que é imperfeito desaparecerá – 1Co 12.31 a 13.10

Amando a Deus como Deus quer ser amado, de todo o nosso coração – Mt 22.37 – e ao próximo como a nós mesmos – Mt 22.39 – teremos cumprido a lei de Cristo.

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