Contra o sistema

Portanto, irmãos, rogo-lhes pelas misericórdias de Deus que se ofereçam em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus; este é o culto racional de vocês.Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus – Rm 12.1 e 2

INTRODUÇÃO:

A carta de Paulo aos Romanos tem sido chamada, com propriedade, de “O Evangelho do Cristo Ressurreto”.

Análise textual:

Paulo está pedindo solicitamente aos cristãos da comunidade cristã em Roma, motivado pela compaixão de Deus a que:

  1. Apresentem seus corpos a Deus:

Essa ação é essencial para que as demais ocorram. Paulo já havia dito isso anteriormente – Rm 6.12, 13 e 19.

O verbo grego parístēmi, um imperativo afirmativo, está na forma transitiva e indica oferecer, estar à mão, disponibilizar, dispor, mostrar, comparecer, estar diante de, ceder. (Strong, Verbete 3936)

Paulo chama essa consagração do corpo a Deus como:

a) Sacrifício vivo

O substantivo grego thysíaé aqui empregado em seu sentido metafórico. O cristão oferece seu corpo ao serviço divino, oferece louvor a Deus como uma oblação – Fp 2.17, 4.18, Hb 13.15, 16, 23; 1Pe 2.15.(Strong, Verbete 2378)

A figura é retirada do Antigo Testamento:

Então os líderes de Israel, os chefes das famílias que eram os líderes das tribos encarregados do recenseamento, apresentaram ofertas.  Trouxeram as suas dádivas ao Senhor: seis carroças cobertas e doze bois, um boi de cada líder e uma carroça de cada dois líderes; e as apresentaram diante do tabernáculo – Dt 7.2 e 3

Os bois consagrados ao serviço do santuário não deveriam ser sacrificados eles seriam usados para o serviço do Tabernáculo e deveriam transportar as cortinas e os utensílios.

Davi usa essa metáfora para aludir à dedicação do Messias a Deus:

Sacrifício e oferta não pediste, mas abriste os meus ouvidos; holocaustos e ofertas pelo pecado, não exigiste. Então eu disse: Aqui estou! No livro está escrito a meu respeito. Tenho grande alegria em fazer a tua vontade, ó meu Deus; a tua lei está no fundo do meu coração – Sl 40.6 a 8 (ver também Hb 10.5 a 7)

O adjetivo grego záōindica algo que está vivo em oposição ao que está morto, inativo ou transiente – Hb 4.12; 1Pe 1.3, 23 e 2.4 e 5. (Strong, Verbete 2198)

b) Sacrifício santo

O adjetivo grego hágios indica aquilo que é consagrado para o uso exclusivo de Deus, algo separado do uso comum e dedicado ao uso divino – Lc 2.23 e Rm 11.6. (Strong, Verbete 40)

c) Sacrifício agradável a Deus

O adjetivo grego euárestosindica aquilo que é aceitável, que agrada a algo ou alguém – Rm 14.18; 2Co 5.9; Ef 5.10; Fp 4.18; Cl 3.20 e Hb 13.21. (Strong, Verbete 2101)

d) Culto racional

O substantivo grego latreíadenota o culto que é prestado a uma divindade, é aqui usado no seu sentido figurado indicando a oferta que o cristão faz de si mesmo a Deus. (Strong,Verbete 2999). O adjetivo grego logikósindica aquilo em que está presente a razão, aquilo que pertence à mente, à compreensão. O termo é usado aqui para qualificar a apresentação de nossos corpos a Deus como um serviço ou adoração que é feito com a nossa mente, enfatizando a motivação interior e os desejos de nosso sacrifício, mais do que obras externas. (Strong, Verbete 3050)

 

  1. Não se deixem ser moldados ao espírito da época:

O verbo grego syschēmatízōna voz média passiva, indica a ação reflexiva de se deixar moldar, deixar-se assumir a forma de algo, estar em conformidade a, ser conformado a, adotar certo padrão, ser moldado segundo algo. O verbo está na voz passiva onde alguém se coloca voluntariamente na posição de paciente da ação de outrem, no caso alguém se submete a ser moldado por outrem.  O imperativo negativo requer uma tomada de posição indicando a cessação de algo em curso ou também uma iniciativa de não permitir que isso ocorra. (Strong, Verbete 4964)

 

  1. Mas se deixem ser transformados pela renovação da mente deles:

O verbo imperativo positivo é contrastado com o anterior. Ao invés de se deixar moldar pelos padrões desta época eles devem permitir que Deus efetue neles uma transformação.

O verbo grego metamorphóō, aqui na voz média-passiva, indica permissão para ser transformado. O verbo ocorre em Mt 17.2; em referência a Jesus Cristo, aqui e em 2Co 3.18 em referência a nós. (Strong, Verbete 3339)

O objetivo dessas orientações é para que eles experimentem a vontade de Deus que é:

  1. Boa

O adjetivo grego agathósindica aquilo que é bom em si e em seus efeitos. Algo que é bom traz também benefícios.  O termo pode indicar aquilo que é excelente, adequado, útil, benéfico, de bom caráter, de voa disposição ou qualidade. (Strong, Verbete 18)

  1. Agradável

O adjetivo grego euárestos (Strong, Verbete 2101) já foi referido acima.

  1. Perfeita

O adjetivo grego téleiosindica aquilo que é completo em si, algo íntegro e perfeito,  aquilo que possui em si mesmo sua suficiência (autarquia), o que está concluído, finalizado, completo, cheio sem faltar nada. (Strong, Verbete 5046)

Para entendermos o que Paulo tinha em mente quando fez essa exortação precisamos olhar mais de perto como era a sociedade romana dos dias de Paulo e a comunidade cristã que vivia nela.

 

  1. ROMA NOS DIAS DE PAULO

    a) Roma foi fundada em 753 a.C:

Os primórdios da cidade estão obscurecidos em mito e mistério, porém o calendário romano data sua fundação em 753 a.C.

Fundada em 753 a.C. foi primeiramente uma comunidade que compreendia a união de pequenas aldeias vizinhas e governadas por um rei. No começo do século quinto a.C. alcançou um sólido grau de organização política sob governo de forma republicana (…) Roma tornou-se senhora da península Itálica aí por 256 a.C. Durante os dois séculos seguintes, Roma esteve empenhada numa grande luta contra Cartago […] As guerras entre as duas terminaram em 146 a.C., quando o general romano Cipião Emiliano tomou a cidade de Cartago e a arrasou completamente […] Sob os generais Pompeu e Júlio César o domínio romano se expandiu na extremidade oriental da bacia do Mediterrâneo, bem como na Gália. E assim, em cinco séculos de guerra quase ininterrupta, Roma transformou-se de uma cidade obscura nos bancos do Tibre num império senhor do mundo. (TENNEY, 1972, p. 31-32)

b) Roma era a capital do Império Romano:

Situada às margens do rio Tibre, na península Itálica, Roma era a principal e maior cidade do Império e, apesar de estar situada na parte ocidental do Império Romano, mantinha ligações íntimas com as áreas mais remotas do seu domínio. No século I, Roma era a figura dominante em todas as questões imperiais: políticas, sociais, militares, comerciais e religiosas. A cidade também era muito rica e contava, na época da escrita da epístola, com mais de 1.500.000 habitantes, dos quais aproximadamente 800.000 eram escravos. (HALE, 1986, p. 205-206)

c) Situação Política de Roma:

As concepções políticas e administrativas dos habitantes de Roma se alteraram muito no desenrolar da sua história. A julgar pelo fato de que a cidade passou por três regimes políticos totalmente distintos, a monarquia, a república e o império, e cada um destes regimes passou também por diversas modificações durante o seu desenvolvimento, fica difícil identificar de maneira clara as concepções políticas dos cidadãos romanos.

De forma geral, entretanto, podemos visualizar o cidadão romano do século I como alguém que julga ser superior a todos os outros povos, os quais deveriam ser conquistados e submetidos à vontade romana pela força. A habilidade administrativa e militar do povo romano era glorificada como algo incomparável e insuperável, sendo um dever sagrado dos romanos a conquista e consequente imposição da sua cultura aos povos “bárbaros” que viviam ao redor das fronteiras do império.

d) Situação Econômica e Social de Roma:

A vida social em Roma era fervilhante, sendo que o cidadão  romano das classes mais altas fazia visitas e era visitado frequentemente. Sua conduta moral, entretanto, não era das mais recomendáveis, pois eram comuns as reuniões nos passeios públicos para se jogar dados ou xadrez, normalmente com apostas em dinheiro, demonstrando a avareza e o valor exagerado que o povo romano dava ao dinheiro fácil e ao acúmulo de riquezas. Pouco antes da refeição principal os banhos públicos reuniam milhares de pessoas em suas salas altas e espaçosas. Existem abundantes evidências históricas de uma imoralidade terrível reinante nesses ambientes, onde imperava o homossexualismo, as orgias e todo tipo de perversão moral. A respeito da conduta moral do cidadão romano, TENNEY afirma:

… todas as condições sobreviventes de história, literatura, drama, arte, mostram um padrão de moralidade mais baixo do que o nosso. A tremenda acusação de Rm 1:18 a 3:20 foi originalmente dirigida conta todo o império e todo testemunho de que dispomos confirma sua exatidão. A decadência moral não significa que não houvesse pessoas razoavelmente decentes ou que a virtude estivesse completamente extinta. O que significa é que a diretriz prevalecente na sociedade é a de descer para a indulgência e para a desordem. A vida humana era tida em pouca conta e, portanto, eram frequentes os assassinatos. O divórcio conseguia-se facilmente e era bem recebido na ‘sociedade’. O enjeitamento de criancinhas recém-nascidas era uma prática comum […] Predominavam as superstições e falsidades de toda natureza. (1972, p. 88)

e) Situação Religiosa de Roma:

A religião primitiva dos romanos, nos primeiros tempos da república era o animismo. A religião romana primitiva modificou-se não só pela incorporação das novas crenças em épocas posteriores, como também pela assimilação de grande parte da mitologia grega. Com a conquista da Grécia, houve uma fusão de divindades sob influência dominante do panteão grego, surgindo o assim chamado,panteão greco-romano, no qual os deuses romanos foram relacionados aos seus correspondentes gregos, assimilando suas características antropomórficas.

No entanto, já no primeiro século, o culto do panteão greco-romano havia começado a declinar, em grande parte por causa das grosseiras imoralidades e das mesquinhas rixas dessas divindades, que eram apenas homens e mulheres ampliados. Os cultos filosóficos não davam lugar aos deuses nos seus esquemas e escarneciam deles abertamente.

As religiões de mistério eram, na maior parte, de origem oriental, sendo contadas entre elas o culto de Cibele, a Grande Mãe; o de Isis e Osíris, do Egito; o Mitraísmo persa, entre outras. Todas tinham seu centro em um deus que tinha morrido e ressuscitado; todas contavam com uma série de rituais e símbolos em que o iniciado era levado a uma experiência com esse deus, tornando-se presumivelmente um candidato à imortalidade. O processo dessas iniciações era feito através de sociedades secretas, nas quais os ritos estavam frequentemente relacionados com orgias sexuais, embriaguez, e atos de sacrificar e comer animais.

 

II SOCIEDADE CORROMPIDA E DEPRAVADA

Situação Moral de Roma:

a) Sociedade Dionisíaca – Rm 1.18 a 32

Dionísio, também conhecido como Baco é o deus grego do vinho, da orgia e da dissolução. Os devotos de Dionísio pautavam suas vidas por uma conduta devassa e dissoluta. Boa parte da população de Roma, em especial os de classe mais baixa viviam “dionisiacamente”.

O quadro pintado por Paulo nesse parágrafo nos dá uma ideia da dimensão ampla da corrupção daquela sociedade romana. Embora, à primeira vista pareça que ênfase paulina recai sobre a devassidão sexual, ele apresenta esta faceta da corrupção da sociedade romana como efeito doa to divino de “entregar” essa sociedade a seus pecados. No relato a promiscuidade sexual é um elemento entre outros: 1) Idolatria; 2) Injustiça; 3) Ganância; 4) Inveja; 5) Homicídios; 6) Rivalidades; 7) Estelionatos; 8) Calúnias; 9) Arrogância; 10) Malignidade; 11) Desobediência e Desprezo aos pais; 12) Insensatez; 13) Desonestidade; 14) Impenitência; e 15) Conivência com os pecados alheios.

Assim era a sociedade dionisíaca de Roma. Qualquer semelhança com a sociedade de nossos dias não é mera coincidência.

b) Elite Intelectual Apolínea – Rm 2.1 a 16

Apolo era o deus do Sol, da profecia, da poesia, das artes, da música, da cura, da justiça, da lei, da ordem, do tiro ao alvo e da peste. Seus devotos se orgulhavam de serem eruditos, conhecedores dos princípios que regem a ordem criada.

Embora o povo vivesse de forma desregrada, havia uma elite pensante em Roma que tinha ideais elevados de moralidade e civilidade. Eles eram os intelectuais que liam os escritos dos filósofos antigos e adotavam para si os valores defendidos por aqueles. Os maiores representantes desse grupo eram os estóicos.

Apesar de conhecerem o que é certo, esses intelectuais não conseguiam viver à altura de seus valores.

c) Segmento Judaico Legalista – Rm 2.17 a 3.20

Além da sociedade dionisíaca e da elite intelectual apolínea havia em Roma um grupo considerável de judeus que conheciam a professavam seguir as leis de Moisés. Esses se orgulhavam do fato de conhecerem a Lei sem contudo, obedecerem-na. Paulo desmascara essa hipocrisia e arrogância espiritual dos judeus que arrogavam para si o título de “guia de cegos, luz para os que estão em trevas, instrutor de insensatos e mestres de crianças” e não praticavam a Lei que ensinavam.

 

III. A COMUNIDADE CRISTÃ EM ROMA – Rm 3.21 a 4.25

a) Justificados pela Graça de Deus

Os cristãos que viviam em Roma haviam depositado sua fé em Jesus Cristo – Rm 1.8. Ao crer em Cristo, à semelhança de Abraão – Rm 4 – eles foram justificados pela graça de Deus revelada a eles por meio de Cristo – Rm 3.24 a 26.

b) Por meio da fé em Jesus Cristo

Eles sabiam que eram pecadores – Rm 3.23 – como todos os demais cidadãos de Roma. Eles estavam cientes de que não poderiam ser justificados por meio do conhecimento dos princípios éticos universais – como pensavam os estóicos. Eles tinham ciência de que não bastava conhecer a Lei de Moisés para alcançar a salvação. O Evangelho chegou a eles e lhes deu conhecimento do fato de que somos justificados unicamente pela graça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo.

 

IV. JUSTIFICADOS E SANTIFICADOS – Rm 5 a 8

Uma vez justificados pela fé eles passaram a ter paz com Deus – Rm 5.1 – e daí em diante eles precisavam entender que estavam em Cristo e que não estavam mais ligados a Adão – Rm 5.12 a 21. Estando em Cristo eles foram mortos, sepultados e ressuscitados juntamente com Cristo para viverem “uma nova vida” – Rm 6.4. Essa nova vida inclui libertação do pecado, do domínio do pecado e do pendor da carne, que luta contra o pendor do Espírito.

 

V. A NOVA VIDA NA NOVA COMUNIDADE – Rm 12.1 a 21

Libertos do pecado eles deveriam apresentar seus corpos a Deus como sacrifício vivo, santo e agradável. A renovação da mente deles possibilitaria que eles fossem transformados pelo Espírito de Deus e assim experimentariam “a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”. A vontade de Deus para eles era que fossem uma comunidade santa no meio de um sociedade corrupta e perversa. Para isso eles deveriam pautar suas vidas por novos valores:

  1. Humildade – Rm 12.3

Pois pela graça que me foi dada digo a todos vocês: ninguém tenha de si mesmo um conceito mais elevado do que deve ter; mas, pelo contrário, tenha um conceito equilibrado, de acordo com a medida da fé que Deus lhe concedeu.

  1. Edificação Mútua – Rm 12.4 a 8

Assim como cada um de nós tem um corpo com muitos membros e esses membros não exercem todos a mesma função, assim também em Cristo nós, que somos muitos, formamos um corpo, e cada membro está ligado a todos os outros. Temos diferentes dons, de acordo com a graça que nos foi dada. Se alguém tem o dom de profetizar, use-o na proporção da sua fé. Se o seu dom é servir, sirva; se é ensinar, ensine; se é dar ânimo, que assim faça; se é contribuir, que contribua generosamente; se é exercer liderança, que a exerça com zelo; se é mostrar misericórdia, que o faça com alegria.

  1. Amor fraternal – Rm 12.9 a 11

O amor deve ser sincero. Odeiem o que é mau; apeguem-se ao que é bom. Dediquem-se uns aos outros com amor fraternal. Prefiram dar honra aos outros mais do que a si próprios. Nunca lhes falte o zelo, sejam fervorosos no espírito, sirvam ao Senhor.

  1. Piedade – Rm 12.12

Alegrem-se na esperança, sejam pacientes na tribulação, perseverem na oração.

  1. Empatia – Rm 12.13 a 16

Compartilhem o que vocês têm com os santos em suas necessidades. Pratiquem a hospitalidade. Abençoem aqueles que os perseguem; abençoem, e não os amaldiçoem. Alegrem-se com os que se alegram; chorem com os que choram. Tenham uma mesma atitude uns para com os outros. Não sejam orgulhosos, mas estejam dispostos a associar-se a pessoas de posição inferior. Não sejam sábios aos seus próprios olhos.

  1. Amabilidade – Rm 12.17 a 21

Não retribuam a ninguém mal por mal. Procurem fazer o que é correto aos olhos de todos. Façam todo o possível para viver em paz com todos. Amados, nunca procurem vingar-se, mas deixem com Deus a ira, pois está escrito: “Minha é a vingança; eu retribuirei”, diz o Senhor. Pelo contrário: “Se o seu inimigo tiver fome, dê-lhe de comer; se tiver sede, dê-lhe de beber. Fazendo isso, você amontoará brasas vivas sobre a cabeça dele”. Não se deixem vencer pelo mal, mas vençam o mal com o bem.

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