O cordão de três dobras – parte 1

Um homem sozinho pode ser vencido, mas dois conseguem defender-se. Um cordão de três dobras não se rompe com facilidade – Eclesiastes 4.12

Agora, pois, vemos apenas um reflexo obscuro, como em espelho; mas, então, veremos face a face. Agora conheço em parte; então, conhecerei plenamente, da mesma forma como sou plenamente conhecido. Assim, permanecem agora estes três: a fé, a esperança e o amor. O maior deles, porém, é o amor – 1 Coríntios 13.12 e 13

INTRODUÇÃO:

O contexto dos textos:

  1. Eclesiastes 4.12

O sábio – Qoelet – fala da evidente força que se percebe num feixe de cordão. Um cordão sozinho é frágil e facilmente rompido, dois cordões exigem um pouco mais de esforço e o de três dobras é difícil de ser rompido.

O contexto do Qoelet alude às parcerias humanas – amizade, casamento etc.

Isto provavelmente se refere à vantagem do companheirismo e significa que se a comunhão com dois é boa, então com três ainda é melhor. Um cordão com três fios aguentará tensão maior do que aquele que só tem dois. (Comentário Bíblico Moody)

Ilustração: Cordão com 3 dobras trançadas

  1. 1 Coríntios 13.12 e 13

Paulo argumenta a respeito daquilo que havia sido nomeado por ele “caminho ainda mais excelente” – 1Co 12.31b. O amor – ágape – é o caminho “mais excelente” e a ele se associa as 2 virtudes teologais – fé e esperança.

Usando a figura do cordão de 3 dobras podemos argumentar que as 3 virtudes teologais – fé, esperança e amor – unidas (entrelaçadas) fortalecem a unidade e a comunhão cristã.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS:

Ninguém pode ser considerado cristão sem fé, esperança e amor.

  • Pode um cristão não ter fé? Não

Razões:

Há uma diferença fundamental entre religião cristã e fé cristã. A religião cristã pode ser praticada por alguém sem a fé genuinamente cristã. Estima-se que haja 2,3 bilhões de pessoas adeptas ao cristianismo no mundo. Porém, nem todos possuem a verdadeira fé cristã.

Não tendo a fé que procede de Deus, não há como alguém ser verdadeiramente cristão.

Sem fé é impossível agradar a Deus, pois quem dele se aproxima precisa crer que ele existe e que recompensa aqueles que o buscam – Hebreus 11:6

  • Pode um cristão não ter esperança? Não

Razões:

Há uma esperança que não é cristã – a esperança humana. Essa não cogita das coisas celestiais, ela se limita às coisas desta vida:

Se é somente para esta vida que temos esperança em Cristo, dentre todos os homens somos os mais dignos de compaixão – 1 Coríntios 15:19

A esperança cristã repousa no caráter fidedigno de Deus que cumpre suas promessas.

  • Pode um cristão não ter amor? Não

Razões:

Amados, amemo-nos uns aos outros, pois o amor procede de Deus. Aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor. Foi assim que Deus manifestou o seu amor entre nós: enviou o seu Filho Unigênito ao mundo, para que pudéssemos viver por meio dele. Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou seu Filho como propiciação pelos nossos pecados. Amados, visto que Deus assim nos amou, nós também devemos amar-nos uns aos outros. Ninguém jamais viu a Deus; se nos amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós, e o seu amor está aperfeiçoado em nós – 1 João 4.7-12

Tese:

  1. A unidade cristã é uma dádiva divina.
  2. A comunhão cristã evidencia a realidade da unidade.
  3. As virtudes teologais – Fé, esperança e amor – são essenciais para o desenvolvimento de nossa comunhão cristã.

 

  1. SOBRE AS VIRTUDES TEOLOGAIS – TRÍADE DAS VIRTUDES CRISTÃS

Tomás de Aquino – Tratado das Virtudes – (Suma Teológica I. II. Q. 62)

A fé e a esperança implicam uma certa imperfeição, porque aquela recai sobre o que não vemos, e esta, sobre o que não temos. (Suma Teológica I. II. Art. 3; Q. 62) […]

Ora, a caridade é a raiz de todas as virtudes, conforme a Escritura (Ef 3.17): arraigados e fundados em caridade. Logo, a caridade é anterior às outras virtudes. 2. Demais. — Agostinho diz: Ninguém pode amar aquilo em cuja existência não crê. Mas, se crê e ama também fará bem se esperar. Logo, parece que a fé precede a caridade e essa a esperança. (Suma Teológica I. II. Art. 4; Q.

… diz a Escritura (1Jo 3.14): Aquele que não ama permanece na morte. Ora, as virtudes aperfeiçoam a vida espiritual, pois por elas é que vivemos retamente, como diz Agostinho. Logo, não podem existir sem o amor da caridade. (Suma Teológica I. II. Art. 2; Q. 65)

Todas as virtudes morais são infundidas simultaneamente com a caridade, porque Deus não age menos perfeitamente nas obras da graça que nas da natureza. (Suma Teológica I. II. Art. 3; Q. 65)

… a fé e a esperança podem, por certo, existir de algum modo sem a caridade, mas, sem essa, não podem realizar a noção perfeita da virtude. Pois, como a fé tem por objeto crer em Deus, e como crer é assentir na opinião de outrem, por vontade própria, o ato da fé não será perfeito, se a vontade não quiser do modo devido. Ora, só influenciada pela caridade, que aperfeiçoa a vontade, pode esta querer do modo devido; porquanto, todo movimento reto dela procede do amor, no dizer de Agostinho. Por onde, a fé pode, certamente, existir sem a caridade, mas não como virtude perfeita; assim como a temperança ou a fortaleza não podem existir sem a prudência. E o mesmo se deve dizer da esperança, cujo ato consiste em ter em expectativa a futura beatitude dada por Deus. Esse ato será perfeito se se fundar nos méritos que já temos, o que não pode ser sem a caridade. Mas, se essa expectativa se fundar nos méritos que ainda não temos, mas que nos propomos adquirir no futuro, o ato será imperfeito, e pode existir sem a caridade. E, portanto, a fé e a esperança podem existir sem a caridade, mas, sem esta, propriamente falando, as virtudes não existem; porque, a virtude, por essência, exige não somente que obremos de acordo com ela, mas ainda, que obremos retamente, como se disse. (Suma Teológica I. II. Art. 4; Q. 65)

São João da Cruz (1542-1591) foi frade carmelita e doutor da Igreja.

A fé purifica nossa inteligência. Cremos no que não vemos, não entende e não sente. A fé é uma forma de conhecimento, uma iluminação da mente. A virtude da fé nos faz ver. A fé nos revela Deus. A fé são os olhos da alma.

A esperança nos faz desejar Deus, ser unido em definitivo a ele. Por meio da esperança podemos confiar que Deus nos deseja, espera por nós, quer ser plenamente unido a nós. A esperança nos move em direção a Deus. A esperança são as pernas da alma.

A caridade é inserida por Deus na vontade. A caridade desperta a vontade para querer Deus, a vontade e as coisas de Deus. A caridade é inerente a Deus e somente Deus pode compartilhar seu amor. A caridade se apossa de Deus e nos conduz aos santos aposentos – sexto e sétimo aposentos.

Estas três virtudes, deste modo, fazem o vazio nas potências; a fé no entendimento, obscurecendo-o acerca de suas luzes naturais; a esperança na memória, produzindo o vazio de toda posse; e a caridade operando na vontade o despojamento de todo afeto e gozo de tudo o que não é Deus. Porque a fé nos diz, como já vimos, aquilo que não podemos alcançar com o entendimento. (p. 200)

A esperança também põe a memória no vazio e nas trevas em relação às coisas da terra e do céu. Isto não permite dúvida, pois a esperança sempre tem por objeto o que ainda não possuimos. Não mais esperamos o que já possuímos. Ora, “a esperança que se vê não é esperança; porque o que alguém vê como o espera?” diz S. Paulo aos romanos (Rm 8.24). Assim, esta virtude produz o vazio, porque se baseia sobre o que não se tem, e não sobre o que se possui.

A caridade opera igualmente o vazio e o despojamento na vontade, pois nos obriga a amar a Deus sobre todas as coisas; e só podemos cumprir este mandamento desprendendo nosso afeto de todos os bens espirituais e temporais para concentrá-lo somente em Deus. Nosso Senhor Jesus Cristo nos diz por S. Lucas: Qualquer de vós que não dá de mão a tudo o que possui, pela vontade, não pode ser meu discípulo (Lc 14.33). Isto, em resumo, mostra que as três virtudes teologais colocam a alma nas trevas e no vazio absoluto. (p. 201)

A Fé

  • Habita o entendimento iluminando-o.
  • Nos faz ver o que não vemos.

A Esperança

  • Habita a memória despertando-a para as promessas de Deus.
  • Nos faz desejar ter o que não temos.

O Amor

  • Habita a vontade.
  • Nos leva a ser possuídos pelo que possuímos.

Citações de São João da Cruz:

“A fé e o amor são os dois guias de cego que te conduzirão, através de caminhos desconhecidos, até os segredos de Deus”.

“A esperança em Deus só pode ser perfeita quando se afasta da memória tudo o que se contrapõe a Deus”.

“O amor não consiste em sentir grandes coisas, mas em despojar-se e sofrer pelo Amado”. “Sem o amor nada são todas as obras reunidas”.

“O mais leve movimento de uma alma animada de puro amor é mais proveitoso à Igreja do que todas as demais obras reunidas”.

Fonte: São João da Cruz – Sobre as Virtudes Teologais: (São João da Cruz – Obras Completas – Petrópolis – RJ: Ed. Vozes, 1988)

  1. UMA SÓ FÉ

Como prisioneiro no Senhor, rogo-lhes que vivam de maneira digna da vocação que receberam. Sejam completamente humildes e dóceis, e sejam pacientes, suportando uns aos outros com amor. Façam todo o esforço para conservar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz. Há um só corpo e um só Espírito, assim como a esperança para a qual vocês foram chamados é uma só; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos, que é sobre todos, por meio de todos e em todos – Efésios 4.1-6

  1. Há uma só fé?

Há vários tipos de fé. Fé hinduísta, budista, xintoísta, islâmica etc.

A natureza da fé pode ser uma, mas varia de objetos.

Exemplos:

Hinduísta – Politeísta e fluídica

Budista – Sem Deus ou deuses

Xintoísta – Étnica e mítica

Islâmica – Monoteísta credal

Materialismo – Fé unicamente naquilo que se vê

 

  • Como podemos ter verdadeira comunhão com alguém cuja fé é politeísta?
  • Como podemos ter verdadeira comunhão com alguém cuja fé é reencarnacionista?
  • Como podemos ter verdadeira comunhão com alguém cuja fé é puramente étnica?
  • Como podemos ter verdadeira comunhão com alguém cuja fé é antitrinitariana?
  • Como podemos ter verdadeira comunhão com alguém cuja fé é anticristã?

 

  1. A unidade da fé cristã:

A fé cristã é singular por se dirigir à Trindade: “Cremos em Deus Pai… em Jesus Cristo… e no Espírito Santo…” – Credo Apostólico.

  1. A essência da fé cristã:

Creio em Deus Pai, Todo-poderoso, Criador do Céu e da terra.

Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, o qual foi concebido por obra do Espírito Santo; nasceu da virgem Maria; padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; ressurgiu dos mortos ao terceiro dia; subiu ao Céu; está sentado à direita de Deus Pai Todo-poderoso, donde há de vir para julgar os vivos e os mortos.

Creio no Espírito Santo; na Santa Igreja Universal; na comunhão dos santos; na remissão dos pecados; na ressurreição do corpo; na vida eterna. Amém.

A fé cristã se dirige à Trindade – Pai, Filho e Espírito Santo.

Há um só corpo e um só Espírito, assim como a esperança para a qual vocês foram chamados é uma só; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos, que é sobre todos, por meio de todos e em todos – Efésios 4.1-6

Essa é a fé que nos foi dada e pela qual devemos batalhar diligentemente:

Amados, embora estivesse muito ansioso por lhes escrever acerca da salvação que compartilhamos, senti que era necessário escrever-lhes insistindo que batalhassem pela fé uma vez por todas confiada aos santos – Judas 1:3

A fé cristã é:

  • Metafísica – Além da física
  • Criacionista – Deus criou o mundo
  • Messiânica – Jesus Cristo é o ungido de Deus
  • Histórica e Meta-histórica – Providência divina que se insere na história
  • Escatológica – Jesus julgará vivos e mortos
  • Redentiva – O Espírito Santo aplica em nós o que Cristo fez por nós na cruz

Por possuirmos a mesma fé podemos andar juntos, ter comunhão e caminhar na mesma direção:

Duas pessoas andarão juntas se não tiverem de acordo? – Amós 3:3

Paulo nos exorta a termos uma só mente e coração:

Se por estarmos em Cristo, nós temos alguma motivação, alguma exortação de amor, alguma comunhão no Espírito, alguma profunda afeição e compaixão, completem a minha alegria, tendo o mesmo modo de pensar, o mesmo amor, um só espírito e uma só atitude. […] Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus… – Fp 2.1, 2 e 5

Que Deus nos ajude.

Amém

Publicar um comentário