A graça da comunhão

Quando ele saiu, disse Jesus: Agora, foi glorificado o Filho do Homem, e Deus foi glorificado nele; se Deus foi glorificado nele, também Deus o glorificará nele mesmo; e glorificá-lo-á imediatamente. Filhinhos, ainda por um pouco estou convosco; buscar-me-eis, e o que eu disse aos judeus também agora vos digo a vós outros: para onde eu vou, vós não podeis ir. Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros – Jo 13.31 a 35

 

INTRODUÇÃO

Os Meios da Graça:

Os meios da graça são os instrumentos pelos quais Deus transmite bênçãos ao seu povo. O Catecismo de Westminster define a expressão “meios da graça” como “os recursos visíveis e comuns pelos quais Cristo transmite à sua igreja os benefícios de sua mediação [ou seja, de sua morte]”.

Fonte: https://ministeriofiel.com.br/artigos/os-meios-da-graca/

Os meios são privados e públicos.

Meios privados:

  1. Leitura das Escrituras
  2. Oração
  3. Meditação

Meios públicos:

  1. A participação no culto de adoração
  2. A participação nas ordenanças do Evangelho
  3. A comunhão fraternal
  4. Oração coletiva

 

  • COMUNHÃO COMO EXPRESSÃO DO NOVO MANDAMENTO

Tese: A comunhão cristã é a manifestação do novo mandamento.

O Evangelho nos ordena:

  1. Amar a Deus de todo o coração
  2. Amar ao próximo como a nós mesmos

Entretanto, os fariseus, sabendo que ele fizera calar os saduceus, reuniram-se em conselho. E um deles, intérprete da Lei, experimentando-o, lhe perguntou: Mestre, qual é o grande mandamento (mega entolē) na Lei? Respondeu-lhe Jesus: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento (protos entolē). O segundo, (deuteros) semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas – Mt 22.34 a 40

  1. Amarmos uns aos outros como Cristo nos amou

Novo mandamento (neos entolē) vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros – Jo 13.34 e 35

Amar uns aos outros como Cristo nos amou é um desafio e um privilégio.

Jamais iremos amar uns aos outros como Cristo nos amou sem o auxílio do Espírito Santo.

Como Cristo nos amou?

  1. De forma livre – nada o constrangia a isso
  2. Desinteressadamente – sem esperar nada em troca
  3. Sacrificialmente – deu sua vida em nosso resgate

O primeiro, o segundo e o novo mandamentos formam o círculo perfeito.

Os imperativos de reciprocidade são formas de exemplificar o novo mandamento:

Depois de lhes ter lavado os pés, tomou as vestes e, voltando à mesa, perguntou-lhes: Compreendeis o que vos fiz? Vós me chamais o Mestre e o Senhor e dizeis bem; porque eu o sou. Ora, se eu, sendo o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também – Jo 13.12 a 15

Lavar os pés um do outro não deve ser entendido literal e isoladamente dessa ação, como se fosse uma ordenança que vincule todas as pessoas, em todos os lugares, e que seja atendida em determinados momentos, […] a ordem de nosso Senhor não deve ser entendida literalmente, nem sobre o que deve ser feito uma vez por ano, mas do que era diário e constantemente a ser praticado; e que deveria ser feito não apenas por um, a todo o resto, mas o que eles deveriam fazer mutuamente; o que eles deveriam fazer um ao outro; pois a coisa implicada alcança e é obrigatória para todos os cristãos. O significado de ato de nosso Senhor é que, como ele havia feito, por essa ação, deu a eles um exemplo de humildade, condescendência e amor; portanto, eles devem exercer essas graças e desempenhar ofícios tão gentis entre si e com todos os seus companheiros cristãos. (John Gill)

 

  • COMUNHÃO E AMIZADE

Tese: A comunhão cristã é a mais pura expressão de amizade.

Amai-vos cordialmente uns aos outros com amor fraternal, preferindo-vos em honra uns aos outros – Rm 12.10 (ARA)

Dediquem-se uns aos outros com amor fraternal. Prefiram dar honra aos outros mais do que a si próprios – Rm 12.10 (NVI)

Finalmente, sede todos de igual ânimo, compadecidos, fraternalmente amigos, misericordiosos e humildes – 1Pe 3.8 (ARA)

το δε τελος παντες ομοφρονες συμπαθεις φιλαδελφοι ευσπλαγχνοι φιλοφρονες – 1Pe 3.8 (GNT)

Por fim, tenham todos uma só forma de pensar, fraternalmente compassivos amando como amigos – Tradução literal.

Quanto ao mais, tenham todos o mesmo modo de pensar, sejam compassivos, amem-se fraternalmente, sejam misericordiosos e humildes – 1Pe 3.8 (NVI)

  1. S. Lewis:

A Amizade surge do mero companheirismo quando dois ou mais dos companheiros descobrem que têm em comum alguma percepção ou interesse ou mesmo gostos que os demais não partilham e que, até aquele momento, cada um acreditava ser o seu tesouro ou fardo especial. A expressão típica de um começo de Amizade seria algo como: “O quê? Você também? Pensei que eu fosse o único.” A pessoa que concorda conosco que alguma questão, pouco considerada por outros, tem grande importância, pode ser nosso amigo. […] A própria condição de ter amigos é que deveríamos desejar algo além de Amigos. Onde a resposta sincera à pergunta: “Você vê a mesma verdade?” fosse: “Não vejo nada e não me importo com a verdade; só quero um amigo”, não pode surgir Amizade – embora possa haver Afeição. Não haveria um terreno comum para a Amizade, e este precisa existir neste caso, mesmo que seja um entusiasmo por jogar dominó ou por ratinhos brancos. Os que nada têm nada podem partilhar; os que não vão a lugar algum não podem ter companheiros de viagem.

A amizade precisa de algo além dela mesma para se estabelecer.

A amizade cristã tem a fé comum e o amor por Cristo como base e finalidade.

Em um círculo de Amigos genuínos, cada homem é simplesmente o que ele é: permanece como nada senão ele mesmo. Nenhum se importa absolutamente sobre a vida, profissão, classe, renda, raça ou história prévia do outro. […] Esta é a realeza da Amizade. Reunimo-nos como príncipes soberanos de Estados independentes, num país estrangeiro, em campo neutro, libertados de nossos contextos. Este amor ignora (essencialmente) não somente nossos corpos físicos, mas essa inteira personificação que se consiste de nossa família, nosso trabalho, nosso passado e nossas conexões. […] Assim (se você não for me entender mal), vemos a extraordinária arbitrariedade e irresponsabilidade deste amor. Eu não tenho o dever de ser Amigo de alguém, e nenhum homem no mundo tem o dever de ser meu. Nenhuma reivindicação, nenhuma sombra de necessidade. A Amizade é desnecessária, como a filosofia, como a arte, como o próprio universo… Ela não tem valor de sobrevivência; antes, é uma daquelas coisas que dão valor à sobrevivência.” (Os 4 Amores)

Numa relação de amizade cada um deve estar livre para ser quem é sem se importar em “parecer” ser quem não é. A amizade desinteressada é a mais nobre forma de amizade.

 

  • COMUNHÃO COMO ANTECIPAÇÃO DO REINO POR VIR

Tese: A vida no reino eterno é vida em comunhão.

Algumas perguntas retóricas?

O que você pensa quando falamos “céu”?

Qual é sua ideia de céu?

O que não poderá faltar no céu?

Não queremos, porém, irmãos, que sejais ignorantes com respeito aos que dormem, para não vos entristecerdes como os demais, que não têm esperança. Pois, se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também Deus, mediante Jesus, trará, em sua companhia, os que dormem. Ora, ainda vos declaramos, por palavra do Senhor, isto: nós, os vivos, os que ficarmos até à vinda do Senhor, de modo algum precederemos os que dormem. Porquanto o Senhor mesmo, dada a sua palavra de ordem, ouvida a voz do arcanjo, e ressoada a trombeta de Deus, descerá dos céus, e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro; depois, nós, os vivos, os que ficarmos, seremos arrebatados juntamente com eles, entre nuvens, para o encontro do Senhor nos ares, e, assim, estaremos para sempre com o Senhor – 1Ts 4.13 a 17

Então, ouvi grande voz vinda do trono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles.  E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram. E aquele que está assentado no trono disse: Eis que faço novas todas as coisas. […] O vencedor herdará estas coisas, e eu lhe serei Deus, e ele me será filho – Ap 21.3 a 7 (Editado)

 

JONATHAN EDWARDS

Caridade e Seus Frutos – 16ª Preleção – O Céu: Universo de Caridade ou Amor.

Porque, agora, vemos como em espelho, obscuramente; então, veremos face a face. Agora, conheço em parte; então, conhecerei como também sou conhecido. Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três; porém o maior destes é o amor – 1Co 13.13

… no céu a igreja atingirá o estado mais perfeito pelo preencher do Espírito. O resultado será o amor divino, ou caridade, em seu estado mais pleno e como único dom a permanecer (p. 363). A presença de Deus é a fonte desse mais perfeito amor (p. 364).  […] nada odioso permanecerá no céu, somente o que é amável e em está em seu estado perfeito (p. 366s), e isto favorecerá o estado de amor pleno. O amor perfeito flui de Deus para todos os corações (p. 370) e o amor de Cristo pelos santos será perfeitamente entendido (p. 371). […] o amor que há no céu é superior ao terreno porque é espiritual e é perfeito (p. 372s). As relações serão mútuas e sem nódoa de ciúme ou limitações físicas, emocionais ou espirituais para o perfeito fluir deste amor (p. 376-390). (FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 153-161)

O ingrediente que torna o céu desejável é o amor em sua plenitude.

Não há céu sem amor.

  1. S. LEWIS

Céu – A terra da Trindade:

O único lugar fora do céu onde você pode manter-se perfeitamente seguro contra todos os perigos e perturbações do amor é o inferno. (Os 4 Amores)

“O céu não é aqui, mas começamos a vivê-lo aqui, aqui seria como uma ante-sala, logo sairemos dela e experimentaremos de fato o que realmente nos espera.”

Se alguém vive na terra dos homens no “modo inferno”, e está gostando disso, por que iria querer ir para o céu e “abrir mão” de sua “felicidade”?

Só deseja o céu quem já vive “céu” na terra.

Se você aspirar ao Céu, ganhará a Terra “de lambuja”; se aspirar à Terra, perderá ambos. (Cristianismo Puro e Simples)

Os teólogos algumas vezes perguntaram se iremos — “conhecer-nos uns aos outros” no céu, e se os relacionamentos de amor especiais mantidos na terra continuariam a ter ali qualquer significado. Parece razoável responder: “Isso talvez dependa do tipo de amor que se tenha tornado, ou estava se tornando, na terra”, pois com certeza o fato de encontrar-se no mundo eterno com alguém por quem o seu amor neste mundo fosse simplesmente natural, embora forte, não seria (nessa base) nem mesmo interessante. Não seria como encontrar na vida adulta alguém que parecera um grande amigo na escola devido apenas aos interesses e ocupações comuns?  Se não houvesse mais nada, se não fosse uma alma afim, será agora um perfeito estranho. […] Tudo o que não é eterno acha-se eternamente fora de moda. (Os 4 Amores)

E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste – Jo 17.3

Quem, na terra dos viventes, não deseja comunhão com Deus, com Cristo e com os filhos de Deus, não deveria desejar ir pro céu.

Quem, na terra dos viventes, não ama a Deus, a Cristo e aos que de Deus foram gerados, por que quereria viver eternamente com eles? Na terra da Trindade a comunhão é a regra e o modo de vida.

Quando contemplarmos a face de Deus saberemos que sempre a conhecemos. Ele participou, fez, sustentou e moveu, momento a momento, interiormente, todas as nossas experiências terrenas de amor inocente. Tudo o que era amor nelas, mesmo na terra, era muito mais dEle do que nosso, e nosso apenas por ser dEle. No céu não haverá angústia nem necessidade de afastar-nos de nossos entes queridos. Primeiro porque já fizemos isso; dos retratos para o Original, dos regatos para a Fonte, das criaturas que Ele fez dignas de amor para o Próprio Amor. Mas, em segundo lugar, porque os encontraremos todos nEle. Amando-O mais do que a eles, iremos amá-los mais do que o fazemos agora. Tudo isso está, porém, distante na “terra da Trindade”, não aqui no exílio, no vale de lágrimas. Aqui embaixo tudo é perda e renúncia. (Os 4 Amores)

Nessa pátria de esplendor,

Hei de amigos encontrar,

Meus irmãos em Cristo lá hei de rever;

Mas primeiro que os irmãos,

Quando ali no céu chegar,

Meu Jesus é quem eu mais anseio ver (Canto Cristão – Hino 509)

Se insistimos em conservar o Inferno (ou mesmo a terra) não veremos o Céu. Acredito que qualquer homem que chegue ao Céu descobrirá que aquilo que abandonou (mesmo arrancando o seu olho direito) não ficou perdido: que o âmago daquilo que estava realmente buscando, mesmo em seus mais depravados desejos, continua ali, além de qualquer expectativa, esperando por ele nos “Países Altos”. Nesse sentido, os que tiverem completado a jornada (e somente estes) poderão verdadeiramente dizer que o bem é tudo e que o Céu está em toda parte. Mas nós, deste lado da estrada, não devemos tentar antecipar essa visão retrospectiva. Se fizermos isso, é provável que adotemos o falso e desastroso conceito de que tudo é bom e qualquer lugar é o Céu. E a terra? você pode perguntar. A terra, penso eu, não irá ser considerada por ninguém, no final, como sendo um lugar muito definido. Penso que se for escolhida a terra em vez do Céu, ela irá mostrar ter sido, todo o tempo, apenas uma região no Inferno: e a terra, se colocada em sujeição ao Céu, terá sido desde o início uma parte do próprio Céu. (O Grande Abismo)

Em certas ocasiões penso que não desejamos o céu; mas, mais vezes ainda, fico imaginando se, em nosso íntimo mais profundo, jamais desejamos outra coisa. (O Problema do Sofrimento)

O passado do homem bom passa a modificar-se de forma que seus pecados perdoados e sofrimentos lembrados tomam a qualidade do Céu; o passado do homem mau já se conforma à sua maldade e está cheio apenas de miséria. É por isso que, no fim de todas as coisas, quando o sol nascer aqui e o crepúsculo se transformar em trevas lá, os Santos dirão: ‘Jamais vivemos em lugar algum exceto no Céu’, e os Perdidos, ‘Sempre estivemos no inferno’. E ambos estarão falando a verdade.” […] “Então os que dizem que Céu e Inferno são apenas estados de mente, estão certos?”. “Quieto”, respondeu com severidade. “Não blasfeme, O inferno é um estado de mente — você jamais disse algo mais verdadeiro. E todo estado de mente, quando deixado entregue a si mesmo, todo encerrar da criatura na prisão de sua própria mente — é, afinal de contas, o inferno. Mas o céu não é um estado de mente. O céu é a própria realidade. Tudo que é realmente verdadeiro é celestial. Pois tudo que pode ser abalado será abalado e só o que é inabalável permanecerá.” (O Grande Abismo)

O melhor bem da criatura é entregar-se ao seu Criador – desempenhar intelectual, volitiva e emocionalmente esse relacionamento dado no simples fato de ser uma criatura. Quando age nessa conformidade ela é boa e feliz. A fim de não julgarmos que isto traga sofrimento, esta espécie de bem se inicia num nível muito superior ao das criaturas, pois o próprio Deus, como Filho, desde a eternidade entrega a Deus, como Pai, mediante a obediência filial, o ente que o Pai, pelo amor paternal, gera eternamente no Filho. Foi este o padrão para o qual o homem foi feito, aquele que deve imitar – que o homem paradisíaco imitou realmente – e toda vez que a vontade conferida pelo Criador é assim perfeitamente ofertada de volta em obediência jubilosa e causadora de alegria por parte da criatura, aí, sem dúvida, está o Céu, e daí emana o Espírito Santo. (O Problema do Sofrimento)

Sabemos muito mais sobre o céu do que sobre o inferno, pois o céu é o lar da humanidade e, portanto, contém tudo o que está implícito numa vida humana glorificada: mas o inferno não foi feito para homens. Ele não é, de forma alguma, paralelo ao céu, mas a “escuridão lá fora”, a borda externa em que o ser se desvanece no nada. (O Problema do Sofrimento)

 

CONCLUSÃO:

A comunhão cristã é a oportunidade que Deus nos dá, nesse ínterim, para nos acostumarmos com o que a eternidade nos trará.

A comunhão cristã é a forma mais elevada de vida na “terra dos viventes”.

Quem ama a comunhão cristã ama a eternidade e está preparado para ela.

 

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