Uma igreja de “pessoas perfeitas”

Não que eu já tenha obtido tudo isso ou tenha sido aperfeiçoado, mas prossigo para alcançá-lo, pois para isso também fui alcançado por Cristo Jesus. Irmãos, não penso que eu mesmo já o tenha alcançado, mas uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que ficaram para trás e avançando para as que estão adiante, prossigo para o alvo, a fim de ganhar o prêmio do chamado celestial de Deus em Cristo Jesus. Todos nós que alcançamos a maturidade devemos ver as coisas dessa forma, e se em algum aspecto vocês pensam de modo diferente, isso também Deus lhes esclarecerá. Tão-somente vivamos de acordo com o que já alcançamos – Filipenses 3.12 a 16

 

INTRODUÇÃO

Você já frequentou ou visitou uma igreja de “pessoas perfeitas”?

Eu nunca frequentei ou visitei uma igreja de pessoas perfeitas, mas já estive em igrejas onde havia pessoas que se julgavam perfeitas. Essas pessoas não se definiam como perfeitas, não verbalmente, elas demonstravam com suas atitudes, ações e reações que se julgavam perfeitas.

Mas, que atitudes, ações e reações são essas?

 

  • “PESSOAS PERFEITAS” NÃO ENTENDEM COMO DEUS TRATA SEUS FILHOS

Uma coisa ignorada pelas “pessoas perfeitas” é que Deus nunca castiga, pune seus filhos.

Deus prova e disciplina seus filhos.

Para as “pessoas perfeitas” Deus abençoa ou amaldiçoa.

Os amigos de Jó eram assim:

Então Jó respondeu: “Já ouvi muitas palavras como essas. Pobres consoladores são vocês todos! Esses discursos inúteis nunca acabarão? O que o leva a continuar discutindo? Bem que eu poderia falar como vocês, se estivessem em meu lugar; eu poderia condená-los com belos discursos, e menear a cabeça contra vocês. Mas a minha boca procuraria encorajá-los; a consolação dos meus lábios lhes daria alívio – Jó 16.1 a 5

 

Os amigos de Jó só tinham duas ideias fixas:

  • Nós não pecamos contra Deus – estamos bem.
  • Jó não está bem, logo, ele pecou contra Deus.

Na cabeça deles não havia a mínima possibilidade de que não fosse isso.

Bem, mas a verdade era que Jó estava sendo provado em sua lealdade a Deus, mesmo em meio às perdas e sofrimentos.

O autor de Hebreus nos diz que Deus, além de provar seus filhos, também os disciplina:

Na luta contra o pecado, vocês ainda não resistiram até o ponto de derramar o próprio sangue. Vocês se esqueceram da palavra de ânimo que ele lhes dirige como a filhos: “Meu filho, não despreze a disciplina do Senhor, nem se magoe com a sua repreensão, pois o Senhor disciplina a quem ama, e castiga todo aquele a quem aceita como filho”. Suportem as dificuldades, recebendo-as como disciplina; Deus os trata como filhos. Pois, qual o filho que não é disciplinado por seu pai? Se vocês não são disciplinados, e a disciplina é para todos os filhos, então vocês não são filhos legítimos, mas sim ilegítimos. Além disso, tínhamos pais humanos que nos disciplinavam, e nós os respeitávamos. Quanto mais devemos submeter-nos ao Pai dos espíritos, para assim vivermos! Nossos pais nos disciplinavam por curto período, segundo lhes parecia melhor; mas Deus nos disciplina para o nosso bem, para que participemos da sua santidade. Nenhuma disciplina parece ser motivo de alegria no momento, mas sim de tristeza. Mais tarde, porém, produz fruto de justiça e paz para aqueles que por ela foram exercitados – Hebreus 12.4 a 11

 

Em muitos casos, coisas ruins acontecem aos filhos de Deus porque Deus ou está provando-os ou disciplinando-os.

Para as “pessoas perfeitas” Deus está sempre abençoando elas e se algo de ruim lhes acontece aquilo procede do Inimigo. Eles nunca acham que a lealdade deles esteja sendo provada ou que, por causa de algum erro, apego, vício ou pecado deles, Deus esteja disciplinando-os.

O mesmo critério eles usam para julgar as pessoas imperfeitas e assim achar que, sempre que algo ruim acontece a um filho de Deus, Deus está punindo-os, nunca provando-os ou disciplinando.

Eles não entendem o que o salmista disse:

O Senhor é compassivo e misericordioso, mui paciente e cheio de amor. Não acusa sem cessar nem fica ressentido para sempre; não nos trata conforme os nossos pecados nem nos retribui conforme as nossas iniquidades. Pois como os céus se elevam acima da terra, assim é grande o seu amor para com os que o temem; e como o Oriente está longe do Ocidente, assim ele afasta para longe de nós as nossas transgressões. Como um pai tem compaixão de seus filhos, assim o Senhor tem compaixão dos que o temem; pois ele sabe do que somos formados; lembra-se de que somos pó – Salmo 103.8 a 14

 

A noção de que Deus seja misericordioso, inclusive com eles, não é algo que eles estejam dispostos a considerar. Por se julgarem perfeitos eles não veem necessidade de recorrer à misericórdia de Deus.

Pessoas que não se veem dependentes da misericórdia de Deus tendem a não ter misericórdia das demais pessoas.

O irmão mais velho da parábola do Pai – Lucas 15 – não conseguia compreender como o seu pai poderia ter misericórdia de seu irmão mais novo.

 

 

  • “PESSOAS PERFEITAS” VEEM A QUESTÃO DA PERFEIÇÃO NUMA PERSPECTIVA HORIZONTAL

O referencial de perfeição das “pessoas perfeitas” é um referencial horizontal:

A alguns que confiavam em sua própria justiça e desprezavam os outros, Jesus contou esta parábola: “Dois homens subiram ao templo para orar; um era fariseu e o outro, publicano. O fariseu, em pé, orava no íntimo: ‘Deus, eu te agradeço porque não sou como os outros homens: ladrões, corruptos, adúlteros; nem mesmo como este publicano. Jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho’. “Mas o publicano ficou à distância. Ele nem ousava olhar para o céu, mas batendo no peito, dizia: ‘Deus, tem misericórdia de mim, que sou pecador’. “Eu lhes digo que este homem, e não o outro, foi para casa justificado diante de Deus. Pois quem se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado” – Lucas 18.9 a 14

 

O fariseu se julgava perfeito porque olhava para quem estava ao seu lado, um publicano pecador.

“Pessoas perfeitas” amam se comparar com pessoas que eles julgam imperfeitas em seus rígidos padrões.

Eles ignoram que haja níveis de conhecimento e vivência da fé cristã.

É muito cômodo usarmos pessoas mais novas na vida cristã para serem nosso referencial de perfeição.

Além de horizontal, a perspectivas das “pessoas perfeitas” é ainda externa.

O fariseu usava critérios externos – coisas que ele fazia e não fazia – em comparação com aquilo que ele julgava que o publicano fazia e não fazia.

Mas a verdadeira religião é a religião do coração.

Uma pessoa pode perfeitamente fazer e não fazer tudo o que o fariseu fazia e não fazia e ainda ser um hipócrita, um falso seguidor de Jesus Cristo. O que fazemos ou não fazemos pode ser expressão do que somos ou mero fingimento.

Podemos evidenciar sinais externos de piedade e por dentro sermos impiedosos:

Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês são como sepulcros caiados: bonitos por fora, mas por dentro estão cheios de ossos e de todo tipo de imundície. Assim são vocês: por fora parecem justos ao povo, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e maldade – Mateus 23.27 e 28

 

Edwards escreveu:

Todas as santas afeições, que são divinamente dadas, atuam em tal harmonia que seus exercícios demonstram um equilíbrio, uma perfeita proporcionalidade e um arranjo perfeito. As santas afeições se diferenciam das falsas no sentido de que aquelas são de uma bela simetria e proporção, enquanto as falsas se mostram irregulares e imperfeitas em seus exercícios. Os hipócritas podem até dissimular alguma proporcionalidade, mas logo a fealdade das falsas afeições se demonstrará avantajada nalgum aspecto e tremendamente inexpressiva noutros aspectos da vida religiosa. (Afeições Religiosas, p. 309)

 

  • “PESSOAS PERFEITAS” CREEM EM PERFECCIONISMO CRISTÃO

Não que eu já tenha obtido tudo isso ou tenha sido aperfeiçoado, mas prossigo para alcançá-lo, pois para isso também fui alcançado por Cristo Jesus. Irmãos, não penso que eu mesmo já o tenha alcançado, mas uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que ficaram para trás e avançando para as que estão adiante, prossigo para o alvo, a fim de ganhar o prêmio do chamado celestial de Deus em Cristo Jesus. Todos nós que alcançamos a maturidade devemos ver as coisas dessa forma, e se em algum aspecto vocês pensam de modo diferente, isso também Deus lhes esclarecerá. Tão-somente vivamos de acordo com o que já alcançamos – Filipenses 3.12 a 16

 

  1. Perfeccionismo cristão

O perfeccionismo cristão ensina que:

  1. Seja possível atingir, nesta vida, o estado de perfeição impecável
  2. O pecado consiste unicamente de atos voluntários – Tg 4.17
  3. É possível viver sem pecar
  1. Perfeição cristã

Jonh Wesley, em sua obra “A Plain Account of Christian Perfection” – “Explicação Clara da Perfeição Cristã”, obra escrita no ano de 1767, Wesley esboça sua maneira de entender o assunto. No ano de 1764, depois de rever todo o assunto, escrevi o resumo das minhas observações em curtas preposições. São as seguintes:

(1) Existe a perfeição cristã porque é mencionada vez após vez nas Escrituras.

(2) Não se recebe tão cedo como a justificação, porque os justificados devem “deixar-se levar para o que é perfeito” (Hb 6.1).

(3) Recebe-se antes da morte, porque Paulo fala de homens que eram perfeitos nesta vida (Fp 3.15).

(4) Não é absoluta. A perfeição absoluta pertence a Deus, assim nem aos homens, nem aos anjos.

(5) Não torna o homem infalível, pois ninguém é infalível enquanto permanece neste mundo.

(6) É sem pecado? Não vale a pena discutir sobre uma palavra. É “salvação do pecado.”

(7) É amor perfeito (1Jo 4.18). Esta é sua essência; suas propriedades e frutos inseparáveis são: regozijar-se sempre, orar sem cessar e dar graças em tudo (1Ts 6.16).

(8) Não descansa num ponto, como sendo incapaz de crescer ou desenvolver-se. Tanto assim que a pessoa aperfeiçoada em amor crescerá muito mais rapidamente que antes.

(9) Há casos em que pessoas que possuíam esta perfeição perderam-na depois. Mas foi apenas há cinco ou seis anos que me convenci disto.

(10) É sempre precedida e seguida de obra gradual.

A doutrina da perfeição cristã ensina:

  1. A perfeição cristã possui uma perspectiva vertical

Jesus Cristo o Filho perfeito do Pai perfeito é nosso referencial de perfeição cristã. Jamais, nesta vida, chegaremos a ser plenamente conformados à sua imagem:

Sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito. Pois aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, também chamou; aos que chamou, também justificou; aos que justificou, também glorificou – Romanos 8.28 a 30

 

Paulo escreveu:

Não que eu já tenha obtido tudo isso ou tenha sido aperfeiçoado, mas prossigo para alcançá-lo, pois para isso também fui alcançado por Cristo Jesus. Irmãos, não penso que eu mesmo já o tenha alcançado… – Filipenses 3.12 e 13a

 

Paulo estava preso em Roma. Ele não era um neófito, ele era um homem maduro com mais de 60 anos de idade, mais de 30 anos de conversão, mais de 20 anos de ministério.

No ano de 1767 John Wesley fez seus últimos apontamentos sobre o assunto em questão:

 

BREVES PENSAMENTOS SOBRE A PERFEIÇÃO CRISTÃ

Alguns pensamentos ocorreram à minha mente com respeito à Perfeição Cristã, a maneira e o tempo de recebê-la, que acredito ser útil escrevê-los.

  1. Por perfeição eu entendo humildade, bondade, paciência, amor a Deus e ao próximo, domínio de nosso temperamento, palavras e ações. Eu não incluo a impossibilidade de cair, em parte ou totalmente. Por conseguinte, demonstro em várias expressões em nossos hinos, que em parte expressam e em parte envolvem tal impossibilidade. E eu não afirmo o termo “sem pecado,” ainda assim não tenho objeção contra ele.
  2. Quanto à maneira. Eu creio que a perfeição é sempre trabalhada na alma por um ato simples de fé; consequentemente, em um instante. Mas acredito num trabalho gradual que, ao mesmo tempo precede e segue este instante.
  3. Quanto ao tempo. Creio que este instante, geralmente, é o instante da morte, o momento que precede a saída da alma do corpo. Acredito que podem ser dez, vinte, quarenta anos antes. Creio que normalmente muitos anos depois da justificação, mas que podem ser cinco anos ou cinco meses depois. Não conheço argumento conclusivo ao contrário. Se deve ser muitos anos depois da justificação, eu gostaria de saber quanto. Quantos dias ou meses, ou ainda anos podem existir entre a perfeição e a morte? A que distância da justificação deve estar, enquanto pode estar perto da morte?

Londres, 27 de janeiro de 1767.

 

Podemos inferir, portanto que:

  • Há graus de maturidade na perfeição cristã

É evidente que uma pessoa que está seguindo a Cristo a 10 ou 20 anos tem a possibilidade maior de estar num grau de maturidade maior do que aquele que começou a seguir a Cristo a apenas 2 anos.

  • Foco da perfeição de cristã está na interioridade

As virtudes cristãs mais difíceis de serem cultivadas são aquelas que não são evidentes por si mesmas.

  1. Absoluta dependência da graça de Deus

Quanto mais maduro na fé, mais dependente da graça de Deus se torna o cristão genuíno.

A prova de nossa obediência aos ensinamentos de Cristo é a conscientização de nosso fracasso em alcançar um ideal perfeito. O grau em que nos aproximamos dessa perfeição não pode ser visto; tudo o que podemos ver é a extensão do nosso afastamento – Tolstoi

  • Jesus é o Filho perfeito do Pai perfeito e nós somos os filhos imperfeitos do Pai perfeito

Essa é uma convicção que evidencia maturidade.

Somente quando Jesus Cristo se manifestar é que seremos como ele é:

Vejam como é grande o amor que o Pai nos concedeu: que fôssemos chamados filhos de Deus, o que de fato somos! Por isso o mundo não nos conhece, porque não o conheceu. Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que havemos de ser, mas sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, pois o veremos como ele é – 1 João 3.1 e 2

 

CONCLUSÃO

Pessoas perfeitas não existem em lugar algum.

Nessa caminhada sempre haverá “uma nuvem de obscuridade” devido ao profundo enraizamento do pecado em nosso coração.

A doutrina da perfeição cristã é um ideal que aponta para a eternidade.

Devemos desejar “crescer em graça e no conhecimento de Jesus Cristo” e ter como alvo sermos “perfeitos como perfeito é o nosso Pai celestial” – Mateus 5.48.

Publicar um comentário