A compaixão de Cristo

Aproximou-se dele um leproso rogando-lhe, de joelhos: Se quiseres, podes purificar-me. Jesus, profundamente compadecido, estendeu a mão, tocou-o e disse-lhe: Quero, fica limpo! No mesmo instante, lhe desapareceu a lepra, e ficou limpo – Mc 1.40 a 42

 

INTRODUÇÃO:

Jesus Cristo caminhava num determinado lugar quando foi surpreendido por um interlocutor inesperado, um leproso.

 

COMPAIXÃO:

No grego clássico, o substantivo feminino splankna significava “as partes internas” as “entranhas” – estômago, intestino, coração, pulmão, fígado, baço e rins. O sentido figurado veio a surgir em decorrência da associação havida entre os órgãos internos e as emoções fortes. Na LXX traduz o hebraico rahamim – Pv 26.22 e beten – parte interna”. No NT, geralmente alude à contração convulsiva – Mc 1.41, 6.34, 8.2 e 9.22, Mt 14.14, 15.32, 9.36, 20.34, 17.15. Desde Homero, o termo passou a ter o sentido de “ter compaixão”, “compadecer-se”. Na LXX ocorre cerca de 80 vezes trazendo consigo o sentido de “ter compaixão”, “ser gracioso”. No NT o adjetivo oiktirmos – compassivo – é apresentado como uma faceta do Ser divino – Lc 6.20, 36 e 49, Rm 9.15, 12.1 e 11, 2Co 1.3, Cl 3.12, Hb 10.28 e 29 e Tg 5.11.

O verbo grego esplanknisthē envolve sentir dor no estômago e intestinos, ter ou sofrer um incômodo gastro-intestinal. Diferente de nós que associamos os sentimentos ao coração os gregos associavam os sentimentos às entranhas:

  • Pensar – mente
  • Decidir – coração
  • Sentir – entranhas

Teologicamente a compaixão é “aquela faceta do amor divino que tem por objeto aquele que está em sofrimento”. A compaixão divina pressupõe a condescendência que implica em descer ao nível de alguém no intuito de erguê-lo.

Certo samaritano, que seguia o seu caminho, passou-lhe perto e, vendo-o, compadeceu-se dele. E, chegando-se, pensou-lhe os ferimentos, aplicando-lhes óleo e vinho; e, colocando-o sobre o seu próprio animal, levou-o para uma hospedaria e tratou dele – Lc 10.33 e 34

O samaritano, movido por compaixão, desce de sua cavalgadura e vai ao lugar onde se encontra o ferido e procede ali os primeiros socorros à vítima.

Assim como a graça é uma faceta do amor divino que tem por objeto os indignos e a misericórdia aqueles que estão em miséria, a compaixão divina se dirige ao que estão em sofrimento seja sofrimento físico, psíquico ou espiritual.

 

A compaixão possui dois partes:

  1. A parte que se compadece – No caso do leproso é Jesus quem se compadece dele. Da parte de quem se compadece deve haver uma identificação com aquele que quem se tem compaixão. Esta parte evidencia amor e boa disposição.
  2. A parte compadecida – No caso, o leproso. Ele é o paciente da compaixão demonstrada por Cristo. Esta parte evidencia necessidade e sofrimento.

Porque assim diz o Alto, o Sublime, que habita a eternidade, o qual tem o nome de Santo: Habito no alto e santo lugar, mas habito também com o contrito e abatido de espírito, para vivificar o espírito dos abatidos e vivificar o coração dos contritos – Is 57.15

 

Compaixão é o modus operandi de Jesus:

E percorria Jesus todas as cidades e povoados, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades. Vendo ele as multidões, compadeceu-se (esplanknisthē) delas, porque estavam aflitas e exaustas como ovelhas que não têm pastor – Mt 9.35 e 36 (editado)

 

Alguns fatos a respeito da compaixão de Cristo:

  • Compaixão é a síntese da obra de Cristo:

Vós conheceis a palavra que se divulgou por toda a Judéia, tendo começado desde a Galileia, depois do batismo que João pregou, como Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com poder, o qual andou por toda parte, fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com ele; e nós somos testemunhas de tudo o que ele fez na terra dos judeus e em Jerusalém; ao qual também tiraram a vida, pendurando-o no madeiro – At 10.37 a 39

 

  • Jesus seguia o Exemplo do Pai:

E, levantando-se, foi para seu pai. Vinha ele ainda longe, quando seu pai o avistou, e, compadecido dele, correndo, o abraçou, e beijou – Lc 15.20

 

  1. A Encarnação de Cristo – O clímax da divina condescendência:

Visto, pois, que os filhos têm participação comum de carne e sangue, destes também ele, igualmente, participou, para que, por sua morte, destruísse aquele que tem o poder da morte, a saber, o diabo, e livrasse todos que, pelo pavor da morte, estavam sujeitos à escravidão por toda a vida. Pois ele, evidentemente, não socorre anjos, mas socorre a descendência de Abraão. Por isso mesmo, convinha que, em todas as coisas, se tornasse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote nas coisas referentes a Deus e para fazer propiciação pelos pecados do povo. Pois, naquilo que ele mesmo sofreu, tendo sido tentado, é poderoso para socorrer os que são tentados – Hb 2.14 a 18

 

Por quem Jesus se compadeceu?

  • COMPAIXÃO COM OS QUE NÃO VEEM:

Partindo Jesus dali, seguiram-no dois cegos, clamando: Tem compaixão de nós, Filho de Davi! Tendo ele entrado em casa, aproximaram-se os cegos, e Jesus lhes perguntou: Credes que eu posso fazer isso? Responderam-lhe: Sim, Senhor! Então, lhes tocou os olhos, dizendo: Faça-se-vos conforme a vossa fé. E abriram-se-lhes os olhos – Mt 9.27 a 30

 

Jesus se compadeceu dos que eram cegos. Havia muitos cegos em Jerusalém nos dias de Jesus. Em função da falta de higiene e tratamentos adequados as pessoas ficavam cegas por diversos motivos. Uma infecção não tratada poderia levar à cegueira temporária ou permanente. Algumas pessoas ficavam cegas em função de outras enfermidades contraídas por elas. O tocar os olhos com os dedos contaminados eram as causas mais comuns de cegueira naqueles dias. A vida de um cego nos dias de Jesus era sinônimo de miséria e mendicância.

Os que não veem também não são vistos:

Pessoas cegas que mendigavam nos lugares públicos eram pessoas desafortunadas que com o passar do tempo “viravam paisagem”. Assim, a pessoa passava a sofrer de dois males concomitantes: 1) não ver – mal físico; 2) não ser visto – mal social.

Em Deuteronômio 28.28 a cegueira aparece como um dos muitos julgamentos de Deus sobre o Israel apóstata.

O SENHOR te ferirá com loucura, com cegueira e com perturbação do espírito – Dt 28.28

 

Esse fato aumentava o sofrimento de quem estava acometido desse mal.

  • COMPAIXÃO COM OS ESTRANHOS

E eis que uma mulher cananeia, que viera daquelas regiões, clamava: Senhor, Filho de Davi, tem compaixão de mim! Minha filha está horrivelmente endemoninhada. Ele, porém, não lhe respondeu palavra. E os seus discípulos, aproximando-se, rogaram-lhe: Despede-a, pois vem clamando atrás de nós. Mas Jesus respondeu: Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel. Ela, porém, veio e o adorou, dizendo: Senhor, socorre-me! Então, ele, respondendo, disse: Não é bom tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos. Ela, contudo, replicou: Sim, Senhor, porém os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus donos. Então, lhe disse Jesus: Ó mulher, grande é a tua fé! Faça-se contigo como queres. E, desde aquele momento, sua filha ficou sã – Mt 15.22 a 28

 

Compaixão como antídoto à xenofobia:

A mulher, cuja filha estava endemoninhada era cananeia. Moisés ordenou a extinção dos cananeus. Essa mulher era uma sobrevivente. Ela morava na região conhecida nos dias de Jesus como siro-fenícia, uma espécie de estado híbrido, composto de sírios (Atual Síria) e fenícios (atual Líbano). Ela deveria falar um aramaico com sotaques característicos de seu povo.

Os judeus odiavam os siro-fenícios. Eles representavam traição e oportunismo. Sempre que uma nação poderosa marchou contra os territórios de Israel os povos vizinhos estavam juntos ajudando na invasão. Havia uma tensão centenária entre esses povos. Para os judeus os siro-fenícios eram mais odiosos do que os samaritanos.

E Jesus testa a mulher aludindo ao fato de eles – os siro-fenícios não fazerem parte das ovelhas de Israel. A mulher humildemente aceita a porção destinada aos cachorrinhos.

Jesus vendo que a fé daquela mulher era inquebrantável, movido por compaixão, ordenou que o demônio deixasse sua filha.

Nos dias de hoje, com as constantes ondas de imigração precisamos exercer a compaixão cristã.

  • COMPAIXÃO PARA COM OS FAMINTOS

E, chamando Jesus os seus discípulos, disse: Tenho compaixão desta gente, porque há três dias que permanece comigo e não tem o que comer; e não quero despedi-la em jejum, para que não desfaleça pelo caminho – Mt 15.32 (Mc 8.2)

A fome tem pressa:

Você já teve fome? Não estou falando da sensação da fome, aquela que uma pessoa, de férias em Maragogi, depois de dormir demais, acorda ao meio-dia e por não ter tomado café da manhã, tem uma sensação desconfortável de estômago vazio e chama isso de fome. Estou falando de não ter o que comer. De não comer por dias e dias e sentir o corpo definhar por falta de nutrientes.

Segundo dados atualizados da ONU – 15 de julho de 2019 – a fome no mundo atinge cerca de 820 milhões de pessoas.

Na África Oriental, em particular, cerca de um terço da população, 30,8%, está subnutrida. Além do clima e do conflito, a desaceleração e a retração da economia estão impulsionando o crescimento.

Em tempos de pandemia e aumento da fome no mundo nós precisamos exercer a compaixão cristã.

  • COMPAIXÃO COM OS OPRIMIDOS POR SATANÁS

E um, dentre a multidão, respondeu: Mestre, trouxe-te o meu filho, possesso de um espírito mudo; e este, onde quer que o apanha, lança-o por terra, e ele espuma, rilha os dentes e vai definhando. Roguei a teus discípulos que o expelissem, e eles não puderam. Então, Jesus lhes disse: Ó geração incrédula, até quando estarei convosco? Até quando vos sofrerei? Trazei-mo. E trouxeram-lho; quando ele viu a Jesus, o espírito imediatamente o agitou com violência, e, caindo ele por terra, revolvia-se espumando. Perguntou Jesus ao pai do menino: Há quanto tempo isto lhe sucede? Desde a infância, respondeu; e muitas vezes o tem lançado no fogo e na água, para o matar; mas, se tu podes alguma coisa, tem compaixão de nós e ajuda-nos. Ao que lhe respondeu Jesus: Se podes! Tudo é possível ao que crê. E imediatamente o pai do menino exclamou [com lágrimas]: Eu creio! Ajuda-me na minha falta de fé! Vendo Jesus que a multidão concorria, repreendeu o espírito imundo, dizendo-lhe: Espírito mudo e surdo, eu te ordeno: Sai deste jovem e nunca mais tornes a ele. E ele, clamando e agitando-o muito, saiu, deixando-o como se estivesse morto, a ponto de muitos dizerem: Morreu. Mas Jesus, tomando-o pela mão, o ergueu, e ele se levantou – Mc 9.17 a 27

 

Entendido no assunto afirmam que há níveis de opressão espiritual quando infringida por uma entidade demoníaca.

  1. Sugestão
  2. Indução
  3. Possessão como anulação da pessoalidade

Todavia, não são somente entidades malignas que oprimem espiritualmente as pessoas. Governos – locais, regionais ou nacionais – podem oprimir espiritualmente as pessoas impondo a elas as crenças que lhes tira a liberdade e as oprime com mentiras e falsas promessas.

Em tempos de opressão espiritual nós devemos usar de compaixão cristã.

  • COMPAIXÃO COM OS QUE VIVEM DA COMPAIXÃO ALHEIA

Aconteceu que, ao aproximar-se ele de Jericó, estava um cego assentado à beira do caminho, pedindo esmolas. E, ouvindo o tropel da multidão que passava, perguntou o que era aquilo. Anunciaram-lhe que passava Jesus, o Nazareno. Então, ele clamou: Jesus, Filho de Davi, tem compaixão de mim! E os que iam na frente o repreendiam para que se calasse; ele, porém, cada vez gritava mais: Filho de Davi, tem misericórdia de mim! Então, parou Jesus e mandou que lho trouxessem. E, tendo ele chegado, perguntou-lhe: Que queres que eu te faça? Respondeu ele: Senhor, que eu torne a ver. Então, Jesus lhe disse: Recupera a tua vista; a tua fé te salvou. Imediatamente, tornou a ver e seguia-o glorificando a Deus – Lc 18.35 a 43

 

Solidariedade cristã:

O cego Bartimeu, por sua condição de mendicância, dependia das pessoas – suas esmolas e ajudas – para viver.

Sabemos que nesse mundo há muitos aproveitadores. É lamentável que seja assim. Porém, há muitos que, por fatores alheios a si, dependem e irão depender por algum tempo, da solidariedade alheia.

Madre Teresa de Calcutá foi severamente criticada por muitos por alegadamente se vale da miséria alheia para se promover. Mas, o que fizeram os críticos para minimizar a dor dos leprosos de Calcutá?

A Visão Mundial, organização cristã, atuante em todo o mundo, resgatou inúmeras crianças jogadas no lixo, a maioria meninas. Hoje essas meninas resgatadas do lixo são enfermeiras e atuam nas diversas frentes de auxílio humanitário na Índia.

 

APLICAÇÃO:

Seguindo o exemplo de Cristo:

Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz – Fp 2.5 a 8

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Não há como ser cristão sem compaixão.

Um cristão genuíno sempre será um mediador, nunca uma finalidade.

Abençoados que abençoam à semelhança de Deus, o abençoador por excelência

Quem foi objeto do amor de Deus é constrangido a amar como foi amado – 2Co 5.14

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