Amigos, não mais, servos

Jesus disse:

Tenho lhes dito estas palavras para que a minha alegria esteja em vocês e a alegria de vocês seja completa. O meu mandamento é este: amem-se uns aos outros como eu os amei. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos. Vocês serão meus amigos, se fizerem o que eu lhes ordeno. Já não os chamo servos, porque o servo não sabe o que o seu senhor faz. Em vez disso, eu os tenho chamado amigos, porque tudo o que ouvi de meu Pai eu lhes tornei conhecido. Vocês não me escolheram, mas eu os escolhi para irem e darem fruto, fruto que permaneça, a fim de que o Pai lhes conceda o que pedirem em meu nome. Este é o meu mandamento: amem-se uns aos outros – João 15.11 a 17

INTRODUÇÃO

 

Depois de discorrer sobre o relacionamento vital e produtivo da videira e seus ramos – João 15.1 a 10 – Jesus enfoca a mudança do status dos discípulos em relação a ele. De servos foram promovidos a amigos.

Já não os chamo servos, porque o servo não sabe o que o seu senhor faz. Em vez disso, eu os tenho chamado amigos, porque tudo o que ouvi de meu Pai eu lhes tornei conhecido – João 15.15

 

Barnes comenta:

A razão por que os chamava de amigos era que agora os tratava como amigos. Abrira-lhes a mente; dera-lhes a conhecer os Seus planos; familiarizara-os com o desígnio de sua vinda, sua morte, sua ressurreição e ascensão; e, tendo-lhes assim dado a mais clara prova de amizade, era apropriado que lhes desse o nome.

 

Jesus esclarece ainda algumas verdades:

  1. Eles não escolheram Jesus
  2. Jesus os escolhera
  3. A escolha tem como objetivo a produção de frutos
  4. Não apenas frutos em grande quantidade, mas também com excelente qualidade – frutos que permanecem
  5. O objetivo máximo é a glória de Deus
  6. Orações respondidas são uma recompensa imediata da abundante produção de frutos

 

  1. AMIZADE, UMA COISA BOA EM SI MESMA – ARISTÓTELES

 

Em seu oitavo livro de Ética Nicômaco Aristóteles discorre sobre a amizade (philia).

Ele principia seu discurso afirmando que:

  1. A amizade é a mais elevada forma de justiça
  2. A amizade é um bem em si mesma

 

E prossegue afirmando:

  1. Sem amigos ninguém escolheria viver, mesmo que tivesse todos os outros bens.
  2. Um amigo se faz rapidamente; já a amizade é um fruto que amadurece lentamente.
  3. A amizade perfeita apenas pode existir entre os bons.
  4. A amizade é uma alma que mora em dois corpos, um coração que palpita em duas almas.
  5. A amizade pode existir entre as pessoas mais desiguais. Ela as torna iguais.
  6. O objeto principal da política é criar a amizade entre membros da cidade.
  7. A amizade ocupa um lugar fundamental em nossas vidas. Ela é tão importante como a necessidade do ser humano de se alimentar e descansar por exemplo
  8. O desejo de ser amigo é um processo rápido, mas a amizade é uma fruta que amadurece lentamente.

 

Aristóteles alista três tipos de amizades:

  1. Por interesse

Não há nada de errado nesse tipo de amizade. Ela tem contra a natureza superficial do relacionamento produzido por ela. Uma vez que a necessidade desaparece, esse tipo de amizade tende a desaparecer. É certo termos amigos que supram nossos interesses e nós os deles.

Um vendedor precisa de amigos para vender

Um mecânico precisa de amigos clientes

O interesse não pode desembocar numa via de mão única, aí já deixa de ser amizade a passa a ser exploração.

  1. Por prazer

Esse tipo de amizade tem algumas vantagens que a primeira não tem, ou seja, ela é mais profunda e tende a ser mais duradoura. Ela não possui uma base frágil – o interesse – e se nutre do prazer da companhia um do outro. Há prazer na própria amizade. Esse tipo de amizade sobrevive em tempos de escassez e de abundância. O longo de tempo de privação da presença um do outro pode arrefecer esse tipo de amizade.

A amizade por prazer precisa ser dosada para não descambar em possessividade. Ser amigo de uma só pessoa pode produzir a patologia da possessão opressora.

  1. Pela amizade em si

Esse é o tipo mais profundo e duradouro de amizade. Nele as pessoas são amigas por serem amigas, ou seja, são amigas venha o que vier, custe o que custar. Os amigos de longa data, que mantém sua amizade, mesmo quando distantes um do outro, possuem uma amizade que existe por si só.

Jesus propõe esse tipo de amizade aos seus discípulos:

Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos. Vocês serão meus amigos, se fizerem o que eu lhes ordeno – João 15.13 e 14

 

Da parte de Jesus há uma entrega da própria vida e da parte dos discípulos uma obediência movida por amor.

 

  1. AS DIFERENÇAS FUNDAMENTAIS ENTRE AMIZADE E SERVIDÃO

 

Um servo (doulos):

Já não os chamo servos, porque o servo não sabe o que o seu senhor faz – Verso 15a

 

O δοῦλος é alguém que serve a outrem numa condição servil, um escravo, alguém que se entrega à vontade de outrem, um devotado a outrem, sem levar em conta os seus próprios interesses, um servo, um ajudante. (Thayer)

O serviço prestado por um δοῦλος é, por natureza, invariavelmente, involuntário e vitalício. Há no conceito a ideia de sujeição e subserviência ao seu senhor. Termos como obediência, devoção, modéstia e esforço estão ligados à noção de servo. Nalguns contexto o termo pode ter elementos que abrandam o sentido, mas comumente o termo pode perfeitamente ser traduzido como escravo. (Strong, verbete 1401)

Sendo a liberdade pessoal a posse mais valiosa para o grego ático, o δοῦλος, pela própria natureza das coisas não pertencia a si mesmo, mas, sim, a outra pessoa. Sua posição acarretava a ab-rogação da própria autonomia pessoal e a subordinação da vontade àquela outra pessoa, daí o sentimento de repulsa e desprezo dos gregos para com a posição de um escravo. A vida do escravo era labuta e serviço compulsório sem o alívio no lar ou nas obras públicas. O termo traz consigo o sentido de dependência e subordinação.

 

 

Um amigo (philos):

 

Em vez disso, eu os tenho chamado amigos, porque tudo o que ouvi de meu Pai eu lhes tornei conhecido – verso 15b

 

O grande privilégio dos discípulos é poder desfrutar da amizade sincera do próprio Cristo.

A amizade de Jesus é demonstrada, no texto, de duas formas:

  1. Auto doadora:

 

Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos – Verso 13

A essa altura Jesus tinha contado aos discípulos tudo o que ele ouvira do Pai (ver sobre 8.26; cf. 3.11 ; e observe meu Pai; ver sobre 1.14, 18); coisas tais como: o motivo pelo qual ele fora enviado à terra pelo Pai, estava entregando sua vida e tinha de deixar a terra; o que ele faria em seu retorno e como um homem podia ser salvo (ver passagens como 3.16; 10.11; 14.2, 3; depois 3.3, 5, 36). Portanto, quando a ênfase é colocada na íntima comunhão entre o Senhor e seus discípulos, o termo servos não é mais apropriado. (Hendriksen, 2004, p. 702)

 

  1. Eletiva:

 

Vocês não me escolheram, mas eu os escolhi para irem e darem fruto, fruto que permaneça, a fim de que o Pai lhes conceda o que pedirem em meu nome – Verso 16

 

Foi Cristo quem elegeu esses homens para si tirando-os do mundo das trevas (ver sobre o v. 19) a fim de que eles possam ser seus seguidores, e como tais dessem frutos, e isso não meramente por algum tempo ou por pouco de tempo, mas perenemente. Para esse propósito ele também os nomeara; quer dizer, ele os separara do mundo e prometera dar-lhes as qualificações necessárias. Como foi indicado antes, dar frutos significa fazer ostentar os produtos da graça divina como aqueles mencionados em Gálatas 5.22 – amor, alegria, paz, paciência, bondade, fidelidade, mansidão e autocontrole -; Efésios 5.9; Colossenses 1.6; Hebreus 12.11; e Tiago 3.18. Porém, em vista de 4.36 e 12.24, passagens nas quais o termo “frutos” indica almas salvas para a eternidade, não é certamente errôneo dizer que as boas obras que Jesus estava pensando são mencionadas não como um fim em si mesmas, mas como um meio para a conversão dos outros, e assim para a glória de Deus, pela via indicada em Mateus 5.16 (“para que vejam suas boas obras e glorifiquem seu Pai que está nos céus”). (Hendriksen, 2004, p. 704)

 

Seria muito pedantismo, seja da parte de quem for, a afirmação de que seja amigo de Jesus, sem que a proposta de amizade não partisse do próprio Jesus.

 

Cantor Cristão – Hino 81 – Amigo Incomparável

 

Nenhum amigo há igual a Cristo! Não, nenhum, não nenhum.

Outro não há que minha alma salve,

não nenhum, não nenhum.

 

Cristo sabe das nossas lutas,

guiará até o fim chegar.

Nenhum amigo há igual a Cristo,

não nenhum, não nenhum.

 

Nenhum momento Ele me abandona.

Não nenhum, não nenhum.

Não há desgosto que não suavize,

não nenhum, não nenhum.

Cristo sabe das nossas lutas,

guiará até o fim chegar.

Nenhum amigo há igual a Cristo,

não nenhum, não nenhum.

 

Nenhum amigo há tão nobre e santo.

Não nenhum, não nenhum.

Também não há tão humilde e manso.

Não nenhum, não nenhum.

 

Crente nenhum é desamparado.

Não nenhum, não nenhum.

Nenhum ansioso há que é rejeitado.

Não nenhum, não nenhum.

 

 

 

 

 

  • AMÁVEL OBEDIÊNCIA – A CONDIÇÃO SINE QUA NON PARA A MAIS PROFUNDA AMIZADE

 

Vocês serão meus amigos, se fizerem o que eu lhes ordeno – João 15.14

 

Nos versos anteriores ele havia dito expressamente:

 

Tenho lhes dito estas palavras para que a minha alegria esteja em vocês e a alegria de vocês seja completa. O meu mandamento é este: amem-se uns aos outros como eu os amei. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos – João 15.11 a 13

 

A condição para o desfrutar dessa amizade inigualável é a amável obediência, um tipo de obediência movida pelo amor.

Há desobediência e obediência.

Há dois tipos de obediência:

  1. Obediência servil
  2. Obediência movida por amor – amável obediência

Possui mentalidade de servo quem:

  1. Obedece movido por medo
  2. Obedece movido por interesse próprio
  3. Obedece porque é constrangido a isso

Possui uma mentalidade de amigo quem:

  1. Obedece por livre vontade
  2. Obedece movido por interesse de agradar a seu mestre
  3. Obedece movido por amor

CONCLUSÃO

Jesus, em seu discurso de despedida propõe a seus discípulos uma mudança radical na forma como eles se relacionariam dali em diante:

Já não os chamo servos, porque o servo não sabe o que o seu senhor faz. Em vez disso, eu os tenho chamado amigos, porque tudo o que ouvi de meu Pai eu lhes tornei conhecido – João 15.15

 

Essa relação de amizade inigualável possui uma via de mão dupla:

  1. Da parte de Cristo envolve autodoação
  2. Da parte dos discípulos envolve amável obediência

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