O ciclo da vida

Palavra do Pregador, filho de Davi, rei de Jerusalém: Vaidade de vaidades, diz o Pregador; vaidade de vaidades, tudo é vaidade. Que proveito tem o homem de todo o seu trabalho, com que se afadiga debaixo do sol? Geração vai e geração vem; mas a terra permanece para sempre. Levanta-se o sol, e põe-se o sol, e volta ao seu lugar, onde nasce de novo. O vento vai para o sul e faz o seu giro para o norte; volve-se, e revolve-se, na sua carreira. Todos os rios correm para o mar, e o mar não se enche; ao lugar para onde correm os rios, para lá tornam eles a correr. Todas as coisas são canseiras tais, que ninguém as pode exprimir; os olhos não se fartam de ver, nem se enchem os ouvidos de ouvir. O que foi é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; nada há, pois, novo debaixo do sol. Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Não! Já foi nos séculos que foram antes de nós. Já não há lembrança das coisas que precederam; e das coisas posteriores também não haverá memória entre os que hão de vir depois delas – Ec 1.1 a 11

 

INTRODUÇÃO:

O Pregador, na introdução de sua obra declara que a vida é uma constante repetição – um ciclo infindável de coisas que se repetem com certa regularidade. Essa constatação é verdadeira. De fato, a vida, considerada em seu contexto horizontal, é marcado pela mesmice.

  • É possível que haja, ou possa haver, algo novo debaixo do sol?

Para respondermos a essa pergunta precisamos fazer uma distinção elementar entre o real e o ideal.

  • Real – aquilo que é, que está sendo, que se mostra a nós nesse momento.
  • Ideal – aquilo que pode vir a ser, algo que ainda não é mas que pode ser num futuro próximo ou remoto.

O real sempre estará aquém do ideal e o ideal sempre será uma projeção – possível ou utópica – do real.

Nós vivemos num mundo decaído. A Bíblia fala de escravidão da criação:

Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós. A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus. Pois a criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque sabemos que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias até agora. E não somente ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo – Rm 8.18 a 23

O mundo real está muito distante do mundo ideal. O mundo ideal nos é apresentado no livro do Apocalipse:

Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada para o seu esposo. Então, ouvi grande voz vinda do trono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles. E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram – Ap 21.1 a 4

Enquanto o mundo ideal não vem, nós precisamos viver no mundo real.

O mundo real se manifesta em ciclos. Uma planta (uma flor ou um animal) nasce, cresce e morre. Até mesmo no mundo mineral (embora de forma mais demorada) existe esse ciclo de surgimento, consolidação e perecimento. É natural que seja assim.

Nós, seres humanos fomos formados do pó da terra e por isso partilhamos da mesma ciclicidade:

Uma pessoa nasce, cresce e falece – como os animais. Nosso corpo é da mesma constituição dos animais. Porém, nós somos mais que corpo, nós somos alma vivente:

Então, formou o SENHOR Deus ao homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente – Gn 2.7

Há em nós uma alma, um sopro de eternidade – transcendência – que não se limita à ciclicidade da vida e do mundo.

Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo; também pôs a eternidade no coração do homem, sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde o princípio até ao fim – Ec 3.11

 

ENCANTO E DESENCANTO

Ó SENHOR, Senhor nosso, quão magnífico em toda a terra é o teu nome! Pois expuseste nos céus a tua majestade. Da boca de pequeninos e crianças de peito suscitaste força, por causa dos teus adversários, para fazeres emudecer o inimigo e o vingador. Quando contemplo os teus céus, obra dos teus dedos, e a lua e as estrelas que estabeleceste, que é o homem, que dele te lembres E o filho do homem, que o visites? – Sl 8.1 a 4

Esse salmo é um canto que reflete o encantamento do salmista com as obras de Deus. No meio do canto ele insere o louvor puro e simples que procede “da boca dos pequeninos”.

É normal que, por um certo tempo – infância e adolescência – fiquemos maravilhados com o mundo que nos rodeia. A realidade impressiona e nós somos seres impressionáveis.

  • O que o encantava em sua infância?
  • Você já viu uma criança descobrindo algo totalmente novo?

Ilustração – Raquel e o papagaio falante – Icaraíma.

Quando criança eu ficava um bom tempo observando os insetos.

Porém o tempo de encantamento com o mundo se desfaz na medida em que caminhamos da adolescência para a juventude e a adultês.

A dureza da vida, os estudos, o trabalho, as responsabilidades, a degeneração da saúde, os aborrecimentos, as frustrações, as decepções amorosas e profissionais, as injustiças, as contas a pagar, o desemprego, as decepções políticas, dívidas, ansiedades, tristezas e a proximidade da morte tiram de nós a alegria de viver, o encanto de outrora.

Já não olhamos as estrelas, não nos importamos com os ipês floridos, não tomamos mais banho de chuva, não rimos “desatadamente”, já nos incomodamos com a areia da praia e o sal da água do mar, não dá mais para nadar no rio, andar de bicicleta ou moto, passear sem destino etc.

  • Será que a vida é só isso?
  • Encanto e desencanto?
  • Não há uma possibilidade de se retomar o encanto original?
  • Há algo que possamos chamar de reencantamento?

Imaginem um personagem – Fausto.

Fausto nasceu numa família de boas condições financeiras, numa casa espaçosa construída num terreno amplo, numa boa cidade, num tempo de fartura e muitas celebrações.

Fausto vivia rodeado de animais, familiares e amigos, teve excelente educação e promessas de um futuro promissor.

Mas Fausto não consegue conquistar o amor de sua vida, profissionalmente ele não deslancha, vive sempre emburrado, não quer saber de estudar, vive consumindo seus recursos com drogas e coisas similares. Fausto está desencantado com a vida.

  • Há esperança para Fausto?

A resposta está na Metanoia – mudança de mente.

Cremos que sim, e vamos argumentar usando 3 exemplos de reencantamento.

 

DEIXAR E SEGUIR

Caminhando junto ao mar da Galileia, viu dois irmãos, Simão, chamado Pedro, e André, que lançavam as redes ao mar, porque eram pescadores. E disse-lhes: Vinde após mim, e eu vos farei pescadores de homens. Então, eles deixaram imediatamente as redes e o seguiram – Mt 4.18 a 20

O texto bíblico nos informa que Jesus encontrou alguns pescadores “que lançavam redes ao mar” e os convidou a seguirem-no. Eles, ouvindo o convite seguiram a Jesus.

Nós sabemos muito pouco sobre a vida pregressa de Pedro, André, João, Tiago e os demais discípulos de Jesus. Mas podemos deduzir que a vida deles não era muito diferente da vida da grande maioria de seus contemporâneos. Eles foram crianças, eles brincaram como toda criança brinca, eles foram encantados com a vida e com o mundo, porém, chegou o dia em que eles precisaram deixar de lado os brinquedos de crianças e “lançar redes ao mar”. Eles amadureceram fisicamente e mentalmente e estavam certamente vivendo uma fase de desencanto com a vida.

Jesus propôs a eles uma aventura. Essa aventura demandaria deles uma mudança de mente – uma metanoia.

Metanoia – mudança de mente, arrependimento – tem sido usado única e exclusivamente para arrependimento de coisas que fizemos de errado. Mas, metanoia é mais que isso, é mudança de modo de ver e viver a vida.

Até então eles viviam para si mesmos, eles cuidavam da vida deles e não se importavam ou não davam o devido valor ao reino de Deus. Jesus trouxe a eles uma nova dimensão de vida, uma nova oportunidade, uma possibilidade de se reencantarem com a vida.

Seguir a Jesus foi a decisão mais radical que eles tomaram na vida deles e daquele dia em dia em diante eles jamais experimentaram ao desencanto com Deus, com a vida e com o mundo.

Os discípulos descobriram o segredo do reencantamento – seguir a Jesus como Jesus quer ser seguido, seguindo-o de perto.

Eles deixaram de viver a vida deles para viver a vida de Deus.

Eles deixaram de viver de história para viver de glória.

Eles abriram mão de tudo para receber a vida que vale a pena ser vivida – a vida vivida para a glória de Deus.

 

É NECESSÁRIO NASCER DE NOVO

Havia, entre os fariseus, um homem chamado Nicodemos, um dos principais dos judeus. Este, de noite, foi ter com Jesus e lhe disse: Rabi, sabemos que és Mestre vindo da parte de Deus; porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não estiver com ele. A isto, respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus.

Perguntou-lhe Nicodemos: Como pode um homem nascer, sendo velho? Pode, porventura, voltar ao ventre materno e nascer segunda vez? Respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne; e o que é nascido do Espírito é espírito. Não te admires de eu te dizer: importa-vos nascer de novo. O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo o que é nascido do Espírito – Jo 3.1 a 8

Os discípulos eram homens com cerca de 30 anos de vida. Porém, Nicodemos era um homem com mais de 50 anos, talvez mais de 60 ou 70 anos, não sabemos ao certo, porém, podemos estar certos de que era um homem com idade avançada.

Nicodemos um dia foi criança, foi jovem, adulto e agora está senil. Esse homem já havia experimentado todos os ciclos da vida e caminhava para o ciclo final – aquele que antecede a morte.

O nome Nicodemos pode ser uma alcunha – para não expor a família dele – e seu nome pode ser outro. Nicos – literalmente aquele que vence, suplanta, vai além – e demos – povo, populacho, plebe – significa aquele que está acima do povo – alguém de destaque – uma pessoa que se destaca entre milhares.

Nicodemos era um homem bem-sucedido, um homem de posses, prestígio e autoridade. Era comum nos dias de Jesus que as pessoas solicitassem uma audiência com um rabino a fim de fazer-lhe alguma pergunta. Nicodemos solicitou uma audiência com Jesus e tinha em mente uma pergunta a fazer-lhe.

  • Que pergunta?

A vida é só isso ou há algo mais?

Jamais saberemos que pergunta ele tinha em mente ao procurar Jesus.

Porém, podemos perceber que Jesus sabia o que ele ia perguntar e se antecipou a ele de forma taxativa: “importa nascer de novo”.

Ninguém, antes de Jesus, teve a coragem de admitir a verdade a respeito de nós. Jesus ao dizer que “importa nascer de novo” afirma duas coisas fundamentais:

  1. É impossível se reencantar com a vida vivendo a mesma velha vida
  2. É necessário que a velha vida cesse para que a nova vida surja com todo o seu vigor

O velho Nicodemos não entende o que Jesus lhe diz e Jesus precisa esclarecer a ele que lhe falava de coisas celestiais – e eternas. A verticalidade – a trancendência – precisa invadir a horizontalidade – a imanência (e transtorná-la e transformá-la) – radicalmente.

Essa invasão é feita pelo Espírito Santo. Ele, o vento divino sopra em nós e nos renova completamente.

  • Mas como isso é possível?

Jesus aponta para a provisão de Deus e para a necessidade de se apropriar dessa provisão divina:

Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna – Jo 3.16

Crer naquilo que o Filho provê – vida eterna.

Não sabemos se Nicodemos creu. É possível que sim, senão sua história não estaria no evangelho de João.

Ao crer em Cristo Nicodemos aceitou a oportunidade de Deus para que o final de sua vida não fosse marcado pelo desencanto, e sim, pelo reencanto com Deus e seu reino.

 

CONCLUSÃO

Para que avida não se esgote em desencanto é preciso:

  1. Uma mudança de mente – uma metonoia.
  2. Crer em Cristo o doador da vida eterna

Que assim seja. Que Deus nos ajude. Amém.

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