Pais e filhos: A ferida do pai

Informaram a Joabe que o rei estava chorando e se lamentando por Absalão. E para todo o exército a vitória daquele dia se transformou em luto, porque as tropas ouviram dizer: “O rei está de luto por seu filho”. Naquele dia, o exército ficou em silêncio na cidade, como fazem os que fogem humilhados da batalha. O rei, com o rosto coberto, gritava: “Ah, meu filho Absalão! Ah, Absalão, meu filho, meu filho!” – 2Sm 19.1 a 4

 

INTRODUÇÃO:

A ambiguidade proposital do título:

Duplicidade de sentidos; característica de alguns termos, expressões, sentenças que expressam mais de uma acepção ou entendimento possível, muito utilizado na linguagem poética ou literária, mas que deve ser evitado em alguns tipos textuais: a ambiguidade faz parte da poesia.Filosofia. Dualidade profunda de um termo, de uma proposição ou de uma situação. (Etm. do Latim: ambiguitas)

Por ferida do pai posso dar a entender:

  1. A ferida que o pai possui;
  2. A ferida feita pelo pai.

Ambas estão em foco neste texto. Isto é possível porque:

  • Os Feridos Ferem
  • O Estigma de Coringa:

Personagem dos HQs, Coringa é o arqui-inimigo de Batman. Conta a estória que quando criança viu seu pai embriagado bater em sua mãe. A mãe, para defender-se do agressor pegou uma faca. O agressor tomou a faca dela e a esfaqueou diante do próprio filho. Depois, voltando-se para o menino que via tudo em estado de choque perguntou a ele: Por que você está tão sério? E o pai do menino tomando a faca fez dois cortes na boca do menino e disse a ele: vou colocar um sorriso nesta sua cara tão séria. Foi assim que surgiu um dos mais terríveis vilões das histórias em quadrinhos.

http://www.youtube.com/watch?v=_hNMlSijMyw

Deixando o mundo fictício dos HQs vamos nos concentrar no relato bíblico que nos mostra algumas evidências de que existe mesmo a ferida do pai.

Antes de falar propriamente disto da história de Davi e Absalão é preciso ressaltar um detalhe que às vezes passa despercebido por um leitor que não estuda a fundo as Escrituras:

Davi era o filho caçula de um homem chamado Jessé:

Jessé levou a Samuel sete de seus filhos, mas Samuel lhe disse: “O Senhor não escolheu nenhum destes”.  Então perguntou a Jessé: “Estes são todos os filhos que você tem?” Jessé respondeu: “Ainda tenho o caçula, mas ele está cuidando das ovelhas”. 1Sm 16.10 e 11

Samuel mandou que Jessé trouxesse todos os seus filhos para um sacrifício – v. 5

Respondeu Samuel: “Sim, venho em paz; vim sacrificar ao Senhor. Consagrem-se e venham ao sacrifício comigo”. Então ele consagrou Jessé e os filhos dele e os convidou para o sacrifício.

Por que Davi não foi chamado? Não fosse a insistência de Samuel Davi teria sido deixado de lado por seu pai num momento tão importante como este.

Por que Davi não foi chamado?

Uma hipótese: Davi não era um filho legítimo de Jessé.

Em 1Cr 2.16, vemos que Abigail e Zeruia eram irmãs de Davi. Em 2Sm 17.25 vemos que o pai de Abigail era Naás. Mas o pai de Davi era Jessé (1Sm 17.12,14,58; 2Sm 23.1; Rute 4.17,24). Assim sendo, como eram eles irmãos? Deviam ser irmãos por parte de mãe.

Porque Abigail era ao mesmo tempo filha de Naás e irmã dos filhos de Jessé?

1) Naás e Jessé são a mesma pessoa – tradição universal dos rabis.

2) A mulher primeiro foi esposa ou concubina de Naás, que era rei dos amonitas. Nesta condição ela deu à luz a Abigail. Mais tarde se tornou esposa de Jessé e a mãe de seus filhos.

3) Naás – nome da esposa de Jessé.

4) Ela era esposa de Jessé; daí casou com Naás quando ela teve Abigail. Durante seu casamento com Naás teve Davi com Jessé. Os filhos dela tinham a mesma idade de Davi.

A Bíblia indica uma afinidade entre Davi e Naás (1Cr 19.2) – Esse Naás pode ser o de 1Sm 11.1,2; 12.2. Os judeus acreditam que Davi era filho ilegítimo de Jessé. E, ao que parece, ele nasceu de uma união ilegítima. Sabemos também que seus irmãos nunca o aceitaram totalmente; era o mais novo.

Uma possibilidade é que Davi tenha sido filho de uma concubina cujo nome não é mencionado na Bíblia e que esta mulher também teve filhos com Naás, rei do Amonitas – 2Sm 10.1 e 2.

O desprezo de Eliabe por Davi – 1Sm 17.28 é similar ao desprezo dos irmãos de José – Gn 37.8. No caso de José porque Jacó o colocava acima de seus irmãos, no caso de Davi porque seu pai o desprezava. Davi era um homem ferido por seu pai.

O relato que nos interessa neste texto tem início no capítulo 13 e se estende ao capítulo 19 do segundo livro de Samuel. Porém, é importante ressaltar alguns antecedentes:

  1. O capítulo 11 deste livro narra a terrível história do pecado duplo – adultério seguido de homicídio – cometido por Davi em cooperação com Joabe, seu sobrinho.
  2. O capítulo 12 relata a repreensão e o perdão de Deus concedido a Davi.

Apesar de perdoar o pecado de Davi Deus não atendeu sua oração e o menino gerado do adultério morreu – v. 14 a 18. Além desse castigo sobre Davi o profeta Natã ainda o advertiu:

Por isso, a espada nunca se afastará de sua família, pois você me desprezou e tomou a mulher de Urias, o hitita, para ser sua mulher’ – 2Sm 12.10

O relato que segue é uma demonstração de que a profecia de Natã se cumpriu cabalmente na vida e na família de Davi. Com seu pecado duplo ele arruinou a família de um valente soldado que lhe era fiel. Ele se apossou da mulher de um homem bom e justo e ainda foi cruel a ponto de decretar a morte desse homem e enviar uma carta maligna por meio dele a Joabe seu comparsa. Davi agiu como um déspota que acredita poder dispor dos bens e da vida de quem ele quiser sem sofrer as consequências de seus desvarios. Deus não deixou impune aquele que era “o homem segundo o seu coração” – 1Sm 13.14

 

  1. DAVI FOI UM BOM REI

É impressionante saber que Davi é o segundo nome humano mais mencionado na Bíblia –883 vezes. Somente o nome de Jesus – 1270 vezes – é mais mencionado que o nome de Davi.

O reinado de Davi foi muito bom. Davi obteve vitórias militares e políticas. Seu reinado se consolidou e nele o povo de Israel experimentou um nível de prosperidade, justiça e paz nunca antes experimentado. O sucesso do rei Davi se tornou um referencial para os futuros reis. A Bíblia, ao avaliar um reinado usava Davi como um referencial. Se o reinado era bom ele era descrito assim:

____________ fez o que o SENHOR aprova, tal como Davi, seu predecessor – 1Sm 11.6; 2Rs 12.2; 14.3; 18.3 e 22.2

Se o reinado não era bom ele era descrito assim:

___________ fez o que o SENHOR reprova; não seguiu completamente o SENHOR, como o seu pai Davi – 1Rs11.6; 15.11.

Paulo elogia o rei Davi em um de seus discursos dizendo que Davi serviu “ao propósito de Deus em sua geração” – At 13.36.

A avaliação do reinado de Davi sempre foi muito positiva:

Pois Davi fizera o que o SENHOR aprova e não deixara de obedecer a nenhum dos mandamentos do SENHOR durante todos os dias da sua vida, exceto no caso de Urias, o hitita – 1Rs 15.5

Não há a mínima dúvida de que o reinado de Davi foi muito bom. Davi sempre é lembrado por ter sido um homem competente, corajoso, esforçado, justo, piedoso e temente a Deus. Um rei acima de qualquer suspeita. Davi não somente governou bem o povo de Israel como também ficou conhecido como aquele cujo reinado serve de referência para o reino de Deus. O Messias, o rei dos hebreus seria, segundo as profecias, filho de Davi e herdeiro de seu trono – Zc 9.9 e Mt 21.9.

Porém, apesar de ter sido um bom rei Davi também foi um péssimo pai.

 

  1. DAVI FOI UM PÉSSIMO PAI

Davi teve 10 mulheres e destas dez mulheres teve pelo menos 20 filhos:

Estes foram os filhos de Davi nascidos em Hebrom: O seu filho mais velho era Amnom, filho de Ainoã de Jezreel; o segundo, Daniel, de Abigail, de Carmelo;o terceiro, Absalão, de Maaca, filha de Talmai, rei de Gesur; o quarto, Adonias, de Hagite;  o quinto, Sefatias, de Abital; e o sexto, Itreão, de sua mulher Eglá. São esses os seis filhos de Davi que nasceram em Hebrom, onde ele reinou sete anos e seis meses. E, em Jerusalém, onde Davi reinou trinta e três anos, nasceram-lhe os seguintes filhos: Siméia, Sobabe, Natã e Salomão, os quatro filhos que ele teve com Bate-Seba, filha de Amiel. Davi teve ainda mais nove filhos: Ibar, Elisua, Elpalete, Nogá, Nefegue, Jafia, Elisama, Eliada e Elifelete. Todos esses foram filhos de Davi, sem contar os filhos que teve com suas concubinas, e sua filha Tamar, irmã deles.

Destes 20 filhos a maioria permaneceu no anonimato, seus nomes são apenas mencionados no relato da genealogia de Davi. Cinco deles são mencionados com mais pormenores.

  1. Amnom, o primogênito, filho de Ainoã.
  2. Absalão, filho de Maaca.
  3. Adonias, filho de Hagite.
  4. Tamar, filha de Maaca, irmã de Absalão.
  5. Salomão, filho de Bate-Seba e sucessor de Davi.

Amnom era um príncipe caprichoso e covarde que se enamorou de sua meia-irmã Tamar. Absalão era um príncipe vaidoso e vingativo:

Em todo o Israel não havia homem tão elogiado por sua beleza como Absalão. Da cabeça aos pés não havia nele nenhum defeito. Sempre que o cabelo lhe ficava pesado demais, ele o cortava e o pesava: eram dois quilos e quatrocentos gramas, segundo o padrão do rei – 2Sm 14.25 e 26.

E Absalão não falou nada com Amnom, nem bem, nem mal, embora o odiasse por ter violentado sua irmã Tamar – 2Sm 13.22.

Adonias era um príncipe mimado:

Seu pai nunca o havia contrariado; nunca lhe perguntava: “Por que você age assim?” Adonias também tinha boa aparência e havia nascido depois de Absalão – 1Rs 1.5

Tamar era um princesa muito bela e atraente:

Depois de algum tempo, Amnom, filho de Davi, apaixonou-se por Tamar; ela era muito bonita e era irmã de Absalão, outro filho de Davi – 2Rs 13.1

Salomão foi o segundo filho de Davi e Bate-Seba. Sua história é a mais longa e para esta reflexão não convém discorrer sobre ela.

Davi, Amnom, Tamar e Absalão são as personagens desta reflexão.

Depois de tudo o que Davi fez com a família de Urias, coisas ruins começaram a acontecer na família de Davi.

Amnom se apaixonou por sua meia-irmã Tamar. Sua paixão o dominou. Ele se sentia incapaz de conter seus impulsos. Mas Amnom era covarde demais para assumir. Seu primo Jonadabe o aconselhou a fingir-se doente e assim atrair a compaixão do rei. Quando Davi veio visitar Amnom esse fingiu-se doente e pediu que Davi pedisse a Tamar que fizesse uma comida especial para ele e viesse servi-lo em sua casa. O rei atendeu ao pedido dele e Tamar foi à casa de Amnom. Acreditando que seu meio-irmão estava mesmo enfermo Tamar levou a comida ao quarto de Amnom. Esse, aproveitando-se da ocasião forçou sua meia-irmã a ter relações sexuais com ele – 2Sm 13.1 a 14.

Tamar era irmã e num caso desses a lei de Moisés previa uma pena duríssima ao incesto:

Não se envolva sexualmente com a sua irmã, filha do seu pai ou da sua mãe, tenha ela nascido na mesma casa ou em outro lugar – Lv 18.9

Não se envolva sexualmente com a filha da mulher do seu pai, gerada por seu pai; ela é sua irmã – Lv 18.11

Se um homem tomar por mulher sua irmã, filha de seu pai ou de sua mãe, e se envolver sexualmente com ela, pratica um ato vergonhoso. Serão eliminados à vista de todo o povo. Esse homem desonrou sua irmã e sofrerá as consequências da sua iniquidade – Lv 20.17

Maldito quem se deitar com a sua irmã, filha do seu pai ou da sua mãe’. Todo o povo dirá: ‘Amém!’ – Dt 27.22

Se um homem se encontrar com uma moça sem compromisso de casamento e a violentar, e eles forem descobertos, ele pagará ao pai da moça cinquenta peças de prata e terá que casar-se com a moça, pois a violentou. Jamais poderá divorciar-se dela – Dt 22.25

Amnom assumiu sobre si uma maldição. Ele deveria, no mínimo, pedir a Davi que se casasse com Tamar, a quem havia violentado, mas, depois de havê-la forçado “Amnom sentiu uma forte aversão por ela, mais forte que a paixão que sentira” – 2Sm 13.15.

Tamar, envergonhada “pôs cinza na cabeça, rasgou a túnica longa que estava usando e se pôs a caminho, com as mãos sobre a cabeça e chorando em alta voz – v.19

Absalão saiu ao seu encontro e a aconselhou a conter-se para não expor a família real – v.20. Absalão acolheu sua irmã e a consolou.

Davi ficou furioso. Somente isso. Davi deveria ficar furioso e agir. Ele deveria punir severamente o filho estuprador. Absalão esperava uma atitude de seu pai em relação ao crime cometido por seu filho mais velho. Havia em Absalão uma expectativa de que Davi não fosse omisso nesse caso. Cabia ao rei aplicar os termos da lei. Ele deveria no mínimo exigir que Amnom reparasse o erro cometido. Por que Davi não fez nada?

Davi se sentia culpado pela situação toda. Ele sabia que o que acontecia era, em certo sentido culpa dele. Ele se culpava pela desgraça de seus filhos. Mas, independente disso ele deveria ter feito algo para julgar o ocorrido. Sua culpa não isentava a culpa de Amnom e não resolvia o trauma de Tamar.

Davi foi, com certeza, um péssimo pai. Ele bajulou Adonias, foi omisso no caso de Amnom, com sua omissão ele feriu o coração de Tamar e de Absalão.

Assim como Davi nós pais podemos e às ferimos o coração de nossos filhos e isso fazemos de duas maneiras:

  1. Por falta;
  2. Por excesso

Um pai pode ferir o coração de um filho por ser ausente física e afetivamente. A ausência paterna tem sido apontada como uma fonte de inúmeros traumas nos filhos. Filhos de pais ausentes têm dificuldade de aceitar que são verdadeiramente amados e aceitos. Pais ausentes criam filhos carentes e incapazes de demonstrar verdadeira afeição.

Um pai também pode ferir o coração de seu filho por excesso de cobrança, rigor na disciplina, aplicação de regras injustas e uso de palavras de reprovação ou desmerecimento. Um filho que recebe uma educação rígida e arbitrária será uma pessoa insensível e cruel. Um filho criado com muita cobrança pode se tornar um adulto perfeccionista e tirano com tudo e com todos.

Robert Pierce (1914-1978) fundador da World Vision (Visão Mundial).

Doutor Bob como era gentilmente chamado foi um missionário dedicado. Seu trabalho frente à Visão Mundial foi algo heróico e de um empenho nunca antes visto em prol das crianças órfãs do mundo todo.

Mas, Bob foi um pai ausente. Tão ausente que um dia, em viagem pelo Oriente, em 1968 ele recebeu uma ligação de sua filha mais velha Sharon. Não querendo cancelar a viagem ao Vietnã ele não regressou para ver sua filha que havia tentado um suicídio. Dias depois, ao regressar aos Estados Unidos ele já não pode mais visita-la no hospital, ele já estava morta e havia sido sepultada sem ver seu pai.

Em 1978, antes de morrer Bob arrependeu-se por ser um excelente missionário e um péssimo pai.

Por falta ou por excesso não importa a natureza do golpe, a ferida é feita no coração e a resposta a esta ferida pode ser um ódio que cresce a cada dia até que uma tragédia ponha um fim a esta situação indesejável.

Uma vez estabelecido o fato de que Davi foi um bom rei e um péssimo pai, devemos agora estabelecer um novo fato:

 

  1. DAVI FOI CULPADO DA FERIDA NO CORAÇÃO DE ABSALÃO

Desde o incidente de Amnom cuja resposta dada por Davi foi o silêncio, uma ferida surgiu no coração de Absalão. A dor de Tamar foi sentida por seu irmão que esperou uma atitude do rei. Como o rei não fez nada, apesar de que dois anos haviam se passado (v. 23) Absalão resolveu que iria ser do jeito dele:

E Absalão não falou nada com Amnom, nem bem, nem mal, embora o odiasse por ter violentado sua irmã Tamar – v.22

O crime de Amnom foi premeditado. Ele fingiu-se doente e estuprou sua irmã. Absalão por sua vez fingiu dar uma festa e convidou o rei e seus filhos. Assim como Amnom mencionou Tamar para Davi, Absalão mencionou o nome de Amnom (v. 26). Se Amnom pensava em forçar sua irmã Tamar, Absalão pensava em matá-lo.

Amnom foi à festa de Absalão sem pensar que o mal já estava planejado contra ele. Assim como Tamar foi servi-lo sem saber de suas más intenções.

Absalão ordenou aos seus homens: “Ouçam! Quando Amnom estiver embriagado de vinho e eu disser: ‘Matem Amnom!’, vocês o matarão. Não tenham medo; eu assumo a responsabilidade. Sejam fortes e corajosos! “Assim os homens de Absalão mataram Amnom, obedecendo às suas ordens. – v.28 e 29

Ao saber do ocorrido, embora julgasse que Absalão houvesse matado todos os seus filhos, Davi limitou-se a rasgar suas vestes e prostrar-se – v. 31. Davi, como pai e rei deveria sair e vingar a morte de seu filho. Absalão cometeu um assassinato. Pela lei de Moisés ele deveria ser morto.

Quem ferir um homem e o matar terá que ser executado. Todavia, se não o fez intencionalmente, mas Deus o permitiu, designei um lugar para onde poderá fugir. Mas se alguém tiver planejado matar outro deliberadamente, tire-o até mesmo do meu altar e mate-o. – Êx 21.12 a 14

Quem matar um animal fará restituição, mas quem matar um homem será morto – Êx 24.21

Se um homem ferir alguém com um objeto de ferro de modo que essa pessoa morra, ele é assassino; o assassino terá que ser executado. Ou, se alguém tiver nas mãos uma pedra que possa matar, e ferir uma pessoa de modo que ela morra, é assassino; o assassino terá que ser executado. Ou, se alguém tiver nas mãos um pedaço de madeira que possa matar, e ferir uma pessoa de modo que ela morra, é assassino; o assassino terá que ser executado – Nm 35.16 a 18

Maldito quem aceitar pagamento para matar um inocente’. Todo o povo dirá: ‘Amém!’Maldito quem aceitar pagamento para matar um inocente’. Todo o povo dirá: ‘Amém!’ – Dt 27.24 e 25

O jeito de Absalão resolver as coisas era passível de morte, segundo a lei de Moisés. Por que Davi não ordenou a morte de Absalão? Porque no fundo ele se julgava culpado pelo incidente envolvendo Amnom, Tamar e Absalão. Sua culpa o impedia de agir com lucidez e justiça. Davi foi omisso no caso do estupro e agora deixou Absalão fugir sendo omisso no caso do assassinato de Amnom.

Absalão fugiu para Gesur e lá permaneceu por três anos. Davi esfriou a cabeça e assim “a ira do rei contra Absalão cessou, pois ele se sentia consolado da morte de Amnom” – v.38.

A maneira como o capítulo 13 termina dá a entender que tudo estava bem entre Absalão e Davi. Afinal, como muitos pensam, o tempo apaga tudo. Bem, o tempo não cura feridas. Tamar havia sido forçada e cinco anos depois nenhuma ação restauradora. Davi foi omisso e cinco anos depois nenhuma retratação. Três anos se passaram desde que Amnom fora brutalmente assassinado e nada foi feito. A ferida de Tamar e Absalão ainda estava aberta.

Davi era culpado pela ferida do coração de Absalão. A culpa de Davi era real ainda que ele nunca a houvesse admitido. Por ter sido omisso no caso de Amnom agora Davi estava sem seu filho mais velho, Tamar estava reclusa e Absalão era um fugitivo. Um morto, uma amargurada e um revoltado. A desgraça havia chegado à casa do rei e a culpa era dele mesmo.

Quando um pai deixa de agir como pai ele provoca a desgraça em sua família. Davi ocupou-se com a função real e não soube desenvolver sua responsabilidade paterna. Se um assassinato aconteceu em decorrência de um estupro, Davi era o principal culpado. Perante Deus ele era o responsável por tudo que acontecesse em sua casa. Seu bom governo não servia de justificativa para seu fracasso como pai.

Absalão, depois que voltou a Jerusalém, comandou uma revolta contra seu pai e intentou matá-lo – 2Sm 14 a 17. Por pouco ele não conseguiu matar seu pai. O Parricídio era o seu objetivo. Ele fez de tudo para tomar o trono de seu pai e intentou matá-lo numa batalha onde seu maior erro foi subestimar as habilidades bélicas de seu pai.

Depois de estabelecer o fato de que Davi era culpado pela ferida de Absalão resta-me afirmar ainda outra verdade:

 

  1. ABSALÃO TAMBÉM ERA CULPADO PELA FERIDA EM SEU CORAÇÃO

Diante de uma afronta, um ato de injustiça, uma ação danosa ou algo semelhante, sempre haverá duas opções:

  1. Amargurar-se
  2. Perdoar

Nunca nos será dada apenas a possibilidade de nos amargurarmos. Absalão, por mais justificado que estivesse em sua busca por justiça, agiu baseado num sentimento de amargura e desejo de vingança. O ódio que ele nutria por Amnom se voltou contra seu pai e o levou a liderar um levante contra a autoridade de seu pai.

A amargura e o desejo de vingança cegaram-no e não permitiram-no ver que o conselho de Aitofel era bom para ele enquanto que o conselho de Husai era uma armadilha. Deus conspirou contra o príncipe Absalão:

Absalão e todos os homens de Israel consideraram o conselho de Husai, o arquita, melhor do que o de Aitofel; pois o Senhor tinha decidido frustrar o eficiente conselho de Aitofel a fim de trazer ruína sobre Absalão – 2Sm 17.14

Por que Deus não abençoou Absalão? Por que Absalão também era culpado da ferida em seu coração. Ele poderia ter perdoado e colocado o caso nas mãos de Deus.

A mim pertence a vingança e a retribuição. No devido tempo os pés deles escorregarão; o dia da sua desgraça está chegando e o seu próprio destino se apressa sobre eles – Dt 32.35

Absalão escolheu a amargura e acabou morto numa situação humilhante:

Durante a batalha, Absalão, montado em sua mula, encontrou-se com os soldados de Davi. Passando a mula debaixo dos galhos de uma grande árvore, e Absalão ficou preso pela cabeça nos galhos. Ele ficou pendurado entre o céu e a terra, e a mula prosseguiu. (…) EJoabe  (…) pegou três dardos e com eles traspassou o coração de Absalão, quando ele ainda estava vivo na árvore.  E dez dos escudeiros de Joabe cercaram Absalão e acabaram de matá-lo – 2Sm 18.9 a 15

A culpa de Absalão era a de alimentar com o ácido da amargura a ferida causada por seu pai omisso e injusto.

 

APLICAÇÃO:

  1. Ser rei às vezes é mais fácil que ser pai.
  2. Pais feridos ferem.
  3. Pais ferem seus filhos por falta ou excesso.
  4. Pais que ferem seus filhos acreditam não estar ferindo-os.
  5. Pais que ferem seus filhos devem arrepender-se disto e pedir perdão a seus filhos feridos.
  6. Filhos feridos ferirão seus filhos.
  7. O perdão é o único remédio para curar a ferida do pai.

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